A Conferência do Trilhão
Por Itaú BBA
É grande a expectativa pela COP30, que acontece no próximo ano em Belém do Pará. Antes de vir para a Amazônia, porém, diplomatas, cientistas, ativistas, empresários e representantes do setor financeiro do mundo inteiro têm encontro marcado em Baku, a capital do Azerbaijão, na 29ª edição da conferência do clima da ONU.
O assunto mais importante da COP29 serão as finanças climáticas. O termo é amplo e pode incluir um pouco de tudo: desde a venda de créditos de carbono até programas inovadores como o Eco Invest, iniciativa do governo brasileiro em parceria com o BID para destravar recursos estrangeiros para projetos verdes no país.
No caso desta COP, entretanto, o escopo será um pouco mais estreito. A ideia é obter consenso sobre o montante e os prazos para o repasse de recursos aos países mais vulneráveis à mudança do clima.
A expectativa também é grande para que haja enfim um acordo sobre a completa implementação de um mercado global de carbono no âmbito da ONU. As discussões se estendem desde 2016. O governo do Azerbaijão, que tem o potencial de mediar as negociações, prometeu dar prioridade ao assunto.
Mas, antes de entrar em detalhes, vale uma breve recapitulação sobre o que são as COPs.
O nome é a sigla em inglês para Conferência das Partes, neste caso os países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (ou UNFCCC, na sigla em inglês). A convenção foi criada na Rio-92, a histórica Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro e, desde 1995, as partes se reúnem anualmente para a tomada de decisões.
Um dos marcos históricos na realização das Conferências das Partes deu-se na COP21, em 2015: o Acordo de Paris. O documento, assinado por todos os 195 países-membros do UNFCCC, estabelece alguns dos mecanismos mais importantes para a cooperação internacional na agenda de mitigação e adaptação às mudanças do clima. Um exemplo são as contribuições nacionalmente determinadas, conhecidas pela sigla NDC, plano que cada país apresenta para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa.
Além das sessões oficiais, as COPs cumprem outro papel. De alguns anos para cá, elas têm se tornado o centro gravitacional para tudo o que diz respeito ao clima.
Durante quase duas semanas (de 11 a 22 de novembro este ano), a cidade-sede da conferência torna-se a capital mundial do clima, com uma agenda que vai além das negociações principais e engaja tanto a sociedade civil e organizações do terceiro setor, quanto acadêmicos e representantes do setor privado em uma série de painéis de discussão e rodas de conversa para a troca de experiências e conhecimento acerca do enfrentamento da crise climática.
Nas salas de negociação, dois tópicos devem concentrar as atenções:
1 Dos bilhões para os trilhões – A medida do sucesso desta COP
será a Nova Meta Coletiva e Quantificada (NCQG, na sigla em inglês). Em resumo, trata-se de definir cifras e prazos para a ajuda que os países ricos devem prestar ao restante do mundo para o enfrentamento da crise climática, que deve compreender tanto iniciativas de mitigação, quanto de adaptação, seguindo a lógica das responsabilidades comuns, porém diferenciadas.
Eis a lógica: as nações menos desenvolvidas são as mais vulneráveis, as que sofrem as piores consequências das mudanças do clima e as que têm maiores desafios na transição climática, embora pouco tenham contribuído com a emissão de gases de efeito estufa, tanto historicamente quanto atualmente, quando comparadas aos países mais desenvolvidos.
Há vários cálculos diferentes sobre qual seria o valor necessário por ano para esses países, de US$ 1,1 trilhão a US$ 12 trilhões. Um relatório da OCDE listou nove metodologias diferentes para chegar a esses números. Uma reunião da ONU em agosto, preparatória para a COP, chegou a sete diferentes modelos para o novo acordo.
A certeza é que os US$ 100 bilhões definidos no Acordo de Copenhague, na COP15, em 2009, e vigentes até hoje, são insuficientes. Não só isso: pelo Acordo, esse ritmo de destinação de recursos deveria ter começado até 2020, mas só foi alcançado em 2022, e há muitas críticas a como a conta foi feita.
Os negociadores precisam sair de Baku com uma nova meta, pois ela começa a valer em 2026. As demandas para a NCQG incluem, pelo menos, estes itens:
- Quanto dinheiro? O valor precisa ser relevante para fazer diferença, mas realista dentro do orçamento dos países mais ricos.
- De onde sai o dinheiro e para onde vai? A fórmula “dos ricos para os pobres” não resolve todas as dúvidas. A UNFCCC lista 23 países ricos e a União Europeia como origem dos recursos, mas as nações desenvolvidas querem aumentar esse grupo, argumentando que países como a China e mesmo o Brasil teriam condições de contribuir.
- Quais recursos entram na conta? Doações e investimentos são os melhores formatos. E empréstimos, entram sob quais condições? Vale contar recursos já comprometidos anteriormente?
- Para o tomador do recurso, quais finalidades de uso contam como enfrentamento da crise climática? E qual é o grau de transparência necessário para comprovar o bom uso dos recursos?
- Em qual prazo o dinheiro precisa estar disponível?
Nas negociações internacionais, poucos assuntos causam mais divisão que dinheiro. As discussões de Baku prometem ser intensas.
E elas terão outras consequências, pois a nova meta pode catalisar o investimento privado. O investimento governamental não basta para enfrentar a crise climática, mas pode apontar o caminho, indicando as frentes de trabalho mais importantes e as oportunidades mais sólidas em cada país, sejam elas de infraestrutura resiliente, transição energética ou agricultura regenerativa.
Na avaliação do Fórum Econômico Mundial, “o NCQG pode ter um papel crítico em aumentar o financiamento climático privado, ao fornecer um sinal claro de compromisso e estabilidade”.
Empresas de qualquer porte, com projetos interessantes à espera de dinheiro, fazem bem em acompanhar essa discussão para saber em qual ritmo e condições o capital estrangeiro vai alimentar instrumentos de crédito dedicados à questão climática, como Fundo Amazônia, Fundo Clima e linhas do programa Eco Invest.
2 Mercado global de carbono - O outro tópico no topo da agenda da COP29 é o Artigo 6 do Acordo de Paris, que trata da cooperação internacional para cortes de emissões.
Trata-se da criação de um mercado global de carbono, no âmbito da ONU, para que países possam negociar entre si ou com entes privados os resultados de atividades de descarbonização.
De modo simplificado, são dois mecanismos em discussão. Um deles, conhecido como 6.2, rege o comércio de créditos (que o Acordo de Paris chama de Resultados de Mitigação Transferidos Internacionalmente ou, na sigla em inglês, ITMOs) entre países.
A ideia é que um país com emissões comparativamente baixas – o Senegal, por exemplo – possa ir além dos seus objetivos nacionais. O excedente do corte de emissões poderia ser então vendido para a Alemanha, que tem de fazer grandes investimentos e apostar em tecnologias que ainda não estão totalmente maduras. Este caso hipotético ilustra o potencial de cooperação e de transferência de recursos do Norte para Sul Global.
O outro mecanismo, chamado 6.4, envolve a venda de reduções obtidas por entes privados para países que precisam de ajuda para cumprir suas NDCs.
Esses dois instrumentos de mercado foram estabelecidos pelo Acordo de Paris, há nove anos. Mas até agora não houve consenso sobre os detalhes para a implementação. A expectativa era que acontecesse na COP28, em Dubai, mas isso não ocorreu.
As definições que faltam são essencialmente técnicas, como os tipos de projetos aceitos como geradores de créditos e que informações eles devem apresentar (e quais serão públicas ou confidenciais). A pesquisadora e especialista em Direito Internacional Injy Johnstone, da Universidade de Oxford, listou essas pendências, mas mostra otimismo com o avanço das conversas diplomáticas.
Mesmo com as lacunas sobre a implementação, alguns países se adiantaram e já testam o sistema, como explica o veterano de COPs e advogado Vladimir Abreu, do TozziniFreire. A empresa tailandesa Energy Absolute tornou-se este ano a primeira do mundo a faturar com créditos de carbono vendidos sob o Artigo 6. A Suíça comprou os créditos, gerados pela adoção de ônibus elétricos em Bangkok. A Suíça fechou este ano outra compra, de créditos gerados em Gana, em projetos governamentais de implementação de fornos domésticos menos poluentes e de produção de arroz com práticas sustentáveis.
Já o Japão criou um sistema chamado JCM e fechou acordos bilaterais com pelo menos 29 países geradores de créditos, incluindo alguns latino-americanos, como Chile, Costa Rica e México. Outras nações ricas seguiram o exemplo.
Empresas brasileiras com potencial para gerar créditos e formuladores de políticas públicas no Brasil interessados nessa fonte de recursos podem anotar a lista: Austrália, Coreia do Sul, Japão, Kuwait, Noruega, Singapura, Suécia e Suíça têm capital já alocado para investir, fora de suas fronteiras, em bons projetos que cortem emissões de carbono. Falta o governo brasileiro fechar acordos bilaterais com esses países ou a COP29 decidir como o Artigo 6 vai ser implementado.
Além do Artigo 6 e do NCQG, várias outras questões podem ganhar espaço na COP29 e merecem atenção. Alguns exemplos são:
- O fundo específico para transição energética que o Brasil vai propor, conforme antecipado pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (o país-sede da COP sempre tem peso na definição da agenda, e transição energética é um tema importante para o Azerbaijão);
- O Fundo de Perdas e Danos, que pode crescer e passar a contar com contribuições do setor privado;
- As novas metas de redução de emissões de cada país (Contribuições Nacionalmente Determinadas, ou NDCs, na sigla em inglês), que precisam ser atualizadas até fevereiro de 2025. Vários países podem se adiantar para causar impacto e apresentar NDCs já na COP29, inclusive o Brasil;
- O mercado regulado de carbono do Brasil, que está em apreciação no Senado e ainda pode avançar em tempo de ser apresentado na COP29.
O papel das empresas
As COPs são, oficialmente, uma negociação entre governos. Mas representantes de empresas têm muito o que fazer por lá. A comunidade de negócios é fundamental para ajudar governantes a definir objetivos e prazos – o que prometer, ao longo de quanto tempo, sob quais condições.
O advogado Rodrigo Sluminsky, sócio responsável pelo time de sustentabilidade corporativa do escritório Gaia Silva Gaede, vai à COP29. Ele lembra que empresas envolvidas na Conferência podem aproveitar a ocasião de formas diferentes: para apresentar seu caso, oferecer exemplo e tornar-se referência; para estreitar relacionamento com potenciais clientes e fornecedores, associações empresariais, governos, pesquisadores e ONGs; para capacitar-se e influenciar seu setor, sua cadeia de valor e governos locais.