Como cuidar da cadeia de valor – e gerar ainda mais valor com isso
Por Itaú BBA
Garantir práticas sustentáveis em todas as atividades de um negócio, visando à redução do impacto socioambiental e promovendo a responsabilidade em toda a cadeia de valor, pode exigir um esforço significativo das empresas. Para aquelas do setor industrial, em particular, o desafio é ainda maior. Fabricar qualquer bem, durável ou de consumo, demanda transporte de matéria-prima e de produto final, gera bastante resíduo e consome água e energia. Dependendo da cadeia, os impactos chegam, ainda, às comunidades e à biodiversidade no entorno de fábricas, centros de distribuição e áreas de extração de matérias-primas.
Com isso em mente, todo fornecedor de uma empresa industrial faz bem em analisar essas questões como potenciais bons negócios – e cada empresa de manufatura pode considerar seus fornecedores como fonte não só de bens e serviços, mas também de boas ideias, práticas e oportunidades. Mas como?
Antes de revirar as pedras, vamos fazer um reconhecimento do terreno.
Há no Brasil cerca de 340 mil empresas na indústria.
Parte do setor compreende a indústria pesada, com processos que consomem muita energia. Estão nesse grupo fabricantes de navios e trens, assim como segmentos considerados “hard to abate”, ou seja, aqueles em que o corte de emissões de carbono exige investimento muito alto, muitas vezes sem solução tecnológica óbvia (só os segmentos de cimento, siderurgia, química e petroquímica respondem por 70% das emissões globais de CO2 do setor industrial). As emissões ao longo das cadeias de valor nesses segmentos, por causa das características das matérias-primas e dos produtos finais, também tendem a ser difíceis de mitigar, alerta o Fórum Econômico Mundial em sua análise Net Zero Industry Tracker 2024.
No Brasil, um grupo de segmentos considerados pelo governo federal como “hard to abate” – fabricantes de aço, alumínio, cimento, papel e celulose, químicos e vidro – responde por 85% das emissões do setor industrial.
Outra parte da manufatura agrupa a indústria leve (responsável por 8% das emissões globais no setor industrial), como têxteis, alimentos, bebidas, móveis, veículos e bens de consumo. Esses segmentos tendem a consumir menos energia e contam com alternativas tecnológicas mais evidentes para abater emissões diretas. Seu pior impacto ambiental pode ocorrer de outras formas, como alto consumo de água ou excesso de resíduo plástico. Nas cadeias, os desafios incluem lidar com muitas pequenas empresas, colaboradores pouco especializados e o comportamento do consumidor final.
Na indústria pesada, cerca de 40% do total de emissões de carbono gerado por uma companhia se enquadra no Escopo 3 (que compreende as emissões ao longo da cadeia de valor de uma empresa, mas fora de seu controle direto – por exemplo, por fornecedores, distribuidores e consumidores.) Essa fatia já bem relevante para administrar. Mas de forma geral, essa fatia é bem maior – a cadeia de valor responde normalmente por mais de 90% do total de carbono gerado por uma empresa, segundo o CDP (antigo Carbon Disclosure Project). As emissões do Escopo 3 respondem por 50% do total da fabricante de alumínio CBA e 91% do total da fabricante de bebidas Ambev – usamos as duas como exemplo porque estão entre as poucas brasileiras que conseguem nota A do CDP no quesito engajamento de fornecedores.
No tema compras sustentáveis, as empresas brasileiras em geral precisam acelerar. A consultoria francesa de gestão de sustentabilidade Ecovadis avaliou 73 mil organizações entre 2019 e 2023. Em seu Business Sustainability Performance Index, de 2024, concluiu que os fornecedores no Brasil, embora estejam avançando, não acompanham o ritmo de melhoria, nem no mundo, nem na América Latina.
Ok, mapeamos o terreno. Onde encontrar as oportunidades?
Medir as emissões de carbono e avaliar as práticas ambientais de uma cadeia inteira abre portas para todos os seus participantes:
- Analisar a cadeia inteira com lupa e com crivo ambiental significa buscar mais eficiência. Essa prática permite identificar desperdícios de energia, água e matérias-primas, além de áreas que precisam muito de melhores práticas. A Ambev, por exemplo, identificou que promover a agricultura regenerativa entre os fornecedores de matérias-primas é um meio rápido para reduzir a intensidade de emissões em toda a cadeia.
- Fornecedores que passam por avaliações e conseguem de seus clientes maiores certificações, habilitações e prêmios se credenciam melhor para disputar outros clientes grandes.
- A construção de um inventário é requisito para a empresa definir metas de corte de emissões baseadas na ciência (Science-Based Targets ou SBT), a metodologia mais sólida que existe para uma organização se alinhar ao Acordo de Paris (ou seja, contribuir de forma proporcional para impedir que o aquecimento global médio chegue a 2ºC até 2100 e, preferencialmente, não passe de 1,5°C);
- O inventário da cadeia também ajuda a exportar para ou fazer negócios na União Europeia. Desde julho de 2024, pelo CBAM (Carbon Border Adjusted Mechanism), uma espécie de taxa sobre carbono aplicada a produtos importados, autoridades europeias podem exigir do importador dados variados sobre eficiência energética e origem de materiais na cadeia de suprimentos de produtos como cimento e aço. Além disso, parte das companhias incluídas na CSRD (Corporate Sustainability Reporting Directive) precisa apresentar mais detalhes sobre o Escopo 3 já nos relatórios a publicar este ano, sobre o ano fiscal de 2024.
O que o mercado quer
O esforço de incentivar a cadeia de valor a abraçar melhores práticas se encaixa nas tendências listadas pela KPMG para as cadeias de suprimentos em 2025. Uma delas é “ESG / Escopo 3”, que a consultoria define assim: “Líderes (de compras) precisarão identificar, capturar e validar dados dos parceiros comerciais a respeito da atenção aos temas ESG, mitigação de riscos e reporte”. Tem mais: “Em 2025, haverá expectativas de que líderes em cadeias de suprimentos transformem desafios ESG e Escopo 3 em oportunidades para desempenho mais forte e criação de diferencial competitivo”. Também há expectativa de que esses profissionais trabalhem por uma economia mais circular.
Outra tendência é “Transformação da indústria”, pela incorporação de novas tecnologias e energia limpa. “Em 2025, a transformação da indústria provavelmente vai exigir que equipes ligadas a compras e cadeia de suprimentos se adaptem ainda mais a novas tecnologias e estejam prontas para renovar e aumentar suas capacidades”, projeta a KPMG.
Como avançar com as compras sustentáveis, na prática? A consultoria CPO Strategy propõe cinco iniciativas para incorporar esse modo de trabalho à estratégia da organização em 2025:
- Engajar fornecedores - a meta é obter “transparência, alinhamento e confiança”. Em paralelo com a “experiência do cliente”, deve-se pensar em “experiência do fornecedor”, a fim de manter próximos aqueles que se tornam parceiros estratégicos.
- Ampliar uso de tecnologia - I.A., analytics e blockchain podem dar escala às compras sustentáveis. As tecnologias ajudam a selecionar fornecedores, gerir risco e analisar ciclo de vida de produtos.
- Usar os dados a favor do negócio - há empresas que adotam tecnologias mas não abraçam a cultura de dados. Os dados relativos a ESG servem para fins diversos: engajar equipes, monitorar consumo de energia, elevar a qualidade dos inventários e encontrar padrões bons e ruins para o negócio.
- Qualificar continuamente a equipe de compras - esses profissionais precisam estar atualizados com regulação e se tornar pessoas-chave, dentro da organização, na defesa da sustentabilidade.
- Explicitar o apoio do C-Level - o tema compras sustentáveis precisa estar devidamente encaixado na estratégia e contar com apoio claro da diretoria.
Caixa de ferramentas
Listamos aqui 8 recursos existentes que ajudam a avaliar e melhorar a cadeia de valor:
1) A pesquisadora Jeannette Song, professora de Gestão de Operações na Escola de Negócios Fuqua, Universidade Duke, avalia sistemas de atribuição de responsabilidades a fornecedores (tier 1) e seus fornecedores (tier 2). Ela defende a criação de índices de sustentabilidade e concluiu que um bom sistema inclui um índice verificável por terceiros, metas econômicas mensuráveis em períodos definidos, pagamentos variáveis (que recompensem as melhores práticas) e visão de longo prazo. Song gosta do exemplo do Starbucks e seu sistema C.A.F.E. (Coffee and Farmer Equity) para remunerar produtores de café.
2) O CDP tem uma pesquisa dedicada à sustentabilidade de cadeias de suprimentos. No Brasil, a organização destacou, na Análise de Engajamento de Fornecedor (SEA, na sigla em inglês) três empresas industriais: Ambev, CBA e Klabin (além de CPFL, Lojas Renner, Movida e Vivo, em serviços).
3) A consultoria Verdantix faz todo ano uma pesquisa dos melhores fornecedores de software para gestão de carbono na cadeia produtiva. Entre as empresas do segmento estão a francesa Ecovadis (que em 2022 recebeu de BlackRock e outros o maior investimento já feito nessa área), a americana Sinai Technologies (fundada pela brasileira Maria Carolina Fujihara) e as brasileiras Mangue e Deep ESG.
4) A consultoria CPO Strategy faz todo ano uma lista das 100 melhores ferramentas tecnológicas de compras.
5) O Instituto Euvaldo Lodi, ligado à CNI (Confederação Nacional da Indústria), oferece um Programa de Desenvolvimento e Qualificação de Fornecedores.
6) A iniciativa The Climate Drive tem uma Biblioteca de Ações ou Action Library (atualmente disponível apenas em inglês) com 16 aulas sobre descarbonização da cadeia de valor.
7) A aliança empresarial Together for sustainability (TfS), do setor químico, reúne 57 grandes empresas e se dedica à avaliação e melhoria do desempenho de fornecedores em relação à sustentabilidade. Os fornecedores auditados recebem um scorecard que podem apresentar a potenciais novos clientes. A TfS lançou em outubro de 2024 uma ferramenta de cálculo de pegada de carbono para cadeias e vai realizar, de março a novembro de 2025, uma série de webinars sobre compras sustentáveis.
8) A aliança The Sustainable Procurement Pledge reúne mais de 15 mil profissionais de compras no mundo. Oferece recursos de treinamento para compras sustentáveis e vai realizar uma maratona educativa online no seu “Dia Mundial das Compras Sustentáveis”, em 20 de março.