Corrida espacial 2.0: lucro em órbita

Durante décadas, o setor espacial foi dominado por missões governamentais ambiciosas, mas economicamente insustentáveis, movidas mais pela política e pela geopolítica do que por fundamentos econômicos. Hoje, esse cenário mudou radicalmente. Assim como os investimentos em tecnologias militares historicamente geraram benefícios colaterais em setores civis como o GPS, a internet e os sensores avançados, os avanços em tecnologia espacial estão impactando diretamente áreas como telecomunicações, agricultura, logística, clima, defesa e mineração. O espaço, antes uma aposta de longo prazo, agora é um vetor claro de crescimento econômico de curto e médio prazo, impulsionado por modelos de negócio escaláveis, tecnologia madura e um novo apetite dos investidores.

Por Itaú BBA

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Tecnologia espacial: receita antes da ficção

Em 2024, os investimentos em tecnologia espacial atingiram US$ 9,1 bilhões, uma leve queda em relação aos US$ 9,6 bilhões de 2023, mas altamente representativa dada a elevação global das taxas de juros e o ambiente de maior seletividade de capital. O destaque não está apenas no volume, mas na qualidade da alocação de recursos. Pela primeira vez, as rodadas de VC em estágio de crescimento e final superaram as de seed e pré-seed, com 41 e 162 transações, respectivamente. Isso mostra uma mudança de paradigma: o mercado deixou de privilegiar "visões futuristas" e passou a apostar em empresas que já geram receita e escalam soluções viáveis.

As categorias com maior captação em 2024 foram:

• Comunicações via satélite: US$ 2,3 bilhões (sem variação em relação a 2023)

• Inteligência geoespacial: US$ 1 bilhão (+25% YoY)

• Infraestrutura de lançamento: US$ 1,6 bilhão (-37,4% YoY)

Enquanto os foguetes perderam atratividade como ativo financeiro, os serviços baseados em dados e conectividade passaram a ser o novo “core business” da economia espacial.

O Fim do espaço especulativo

A era do capital de risco descontrolado no setor espacial ficou para trás. Os investidores, agora, buscam ativos com receita previsível, escalabilidade técnica e integração com cadeias de suprimento terrestres.

Entre os segmentos em alta estão:

• Logística orbital e gerenciamento de detritos espaciais: US$ 166,5 milhões captados pela D-Orbit em sua rodada Série C em 2024

• Estações em órbita baixa (LEO): mais de US$ 165 milhões em aportes no programa CLD (Commercial LEO Destinations) da NASA

• Monitoramento da Terra: destaque para a Planet Labs e sua expansão em análise agrícola e ambiental baseada em IA

• Conectividade 5G via satélite: empresas como AST SpaceMobile vêm ganhando força com promessas de cobertura direta entre satélite e smartphones

De missões heroicas à sustentabilidade comercial

A narrativa da exploração espacial sempre foi moldada por marcos históricos — do pouso na Lua em 1969 às ambições atuais de colonizar Marte. No entanto, o foco hoje está menos em conquistas simbólicas e mais em viabilidade comercial. A iniciativa Artemis, da NASA, busca uma presença sustentável na Lua, enquanto empresas privadas como a SpaceX apostam no desenvolvimento de sistemas reutilizáveis e de baixo custo para viabilizar a colonização interplanetária. O foguete Starship, capaz de transportar cargas equivalentes a dois caminhões semirreboque, promete revolucionar a logística espacial, reduzindo o custo por quilograma para menos de US$ 200. Ainda assim, desafios técnicos e janelas de lançamento escassas — especialmente para Marte, impõem pressão e riscos significativos.

Após um período morno para IPOs, o setor voltou a ver exits relevantes em 2024, que totalizaram US$ 1,4 bilhão puxados por operações de M&A e a expectativa de abertura de capital de Voyager Space e Karman Space & Defense em 2025. Esses movimentos podem destravar novas ondas de liquidez no setor e reacender o interesse de investidores institucionais.

A SpaceX continua sendo a força dominante: realizou 263 dos 312 lançamentos globais em 2024 (95% dos lançamentos nos EUA), com destaque para os foguetes reutilizáveis Falcon 9 e Starship. Este último, em especial, é considerado a chave para a redução drástica dos custos de lançamento para menos de US$ 200/kg, contra médias de US$ 3.000–5.000/kg nas missões tradicionais.

Mas o domínio da SpaceX está longe de ser incontestado. A Força Espacial dos EUA, por meio do programa National Security Space Launch (NSSL) – Fase 3, está financiando alternativas como:

• Blue Origin, com seu foguete New Glenn

• Rocket Lab, cuja valorização em 2024 foi de +353,1%, apoiada por uma carteira de pedidos de US$ 396 milhões

Essas movimentações evidenciam uma tendência clara de diversificação de provedores espaciais para garantir resiliência e soberania operacional em um contexto geopolítico volátil.

Lua vs. Marte: Investimento em infraestrutura espacial

Enquanto o capital flui para aplicações comerciais de curto prazo, a infraestrutura para exploração espacial profunda segue avançando com apoio público e privado. A diferença entre a Lua e Marte como destinos estratégicos está diretamente ligada a aspectos logísticos e econômicos:

FatorLuaMarte
Distância da Terra384.400 km (~3 dias)225 milhões de km (~9 meses)
Gravidade1/6 da Terra1/3 da Terra
Janela de lançamentoFrequenteA cada 26 meses
Água disponívelPolos congeladosCalotas polares e subterrânea
Potencial energéticoSolar abundanteSolar e eólico
AtmosferaPraticamente nulaCO₂ (95%) e uso em propulsão
Reabastecimento terrestreRelativamente fácilAltamente complexo

A Lua é vista como ponto estratégico para:

• Testes de infraestrutura de habitação espacial

• Mineração de Hélio-3 e metais raros

• Plataforma de lançamento para missões mais distantes

Marte, por outro lado, é a visão de longo prazo. A SpaceX planeja seu primeiro voo não tripulado ao planeta em 2026, e a NASA contratou a empresa para realizar o próximo pouso na Lua em 2027.

Perspectivas: o espaço como plataforma econômica global

O espaço está se consolidando como um ecossistema de negócios integrado à economia terrestre, com aplicações comerciais, militares e ambientais. Entre os principais motores dessa transformação, destacam-se:

• Digitalização e conectividade global: satélites LEO são essenciais para cobertura em áreas remotas

• Segurança e defesa: comunicação segura, monitoramento de ameaças e infraestrutura autônoma

• Mudança climática: observação da Terra para rastrear desmatamento, poluição e eventos extremos

• Mineração espacial: perspectiva de extração de recursos com implicações industriais estratégicas

Os analistas preveem que a economia espacial global pode ultrapassar US$ 1 trilhão até 2040, com CAGR (taxa de crescimento anual composta) estimada em 6,3% ao ano, segundo o Morgan Stanley.

Geopolítica, diversificação e o espaço como ativo estratégico

A dominação da SpaceX nos lançamentos (95% nos EUA em 2024) ilustra a força dos sistemas reutilizáveis e da parceria com o governo norte-americano. No entanto, o setor caminha para uma economia multipolar. O contrato da Fase 3 do National Security Space Launch já aponta para diversificação, favorecendo novas entrantes como Rocket Lab e Blue Origin. A valorização de 353% das ações da Rocket Lab em 2024 evidencia como os mercados premiam soluções viáveis e alternativas robustas à hegemonia da SpaceX.

Além dos EUA, outros blocos também se movimentam. Europa, China e Rússia intensificam programas espaciais próprios, impulsionando a demanda por satélites, serviços de mapeamento, comunicação segura e autonomia em infraestrutura espacial. O espaço tornou-se, portanto, não apenas uma fronteira tecnológica, mas uma peça-chave em estratégias de soberania nacional, resiliência de cadeias de suprimento e monitoramento ambiental.

Conclusão

A tecnologia espacial está passando de um paradigma de exploração para um modelo de expansão econômica. O setor se consolida como um novo eixo estratégico da inovação, com impacto direto em telecomunicações, agricultura, logística, defesa, sustentabilidade e muito mais. À medida que investidores priorizam modelos escaláveis e de receita recorrente, o espaço deixa de ser apenas um campo de experimentação tecnológica para se tornar um ambiente econômico tangível, dinâmico e competitivo.

Os avanços em Marte e na Lua ainda cativam o imaginário coletivo, mas a verdadeira revolução espacial está acontecendo aqui mesmo, na órbita da Terra - onde dados, infraestrutura e serviços já são realidade e movimentam bilhões. Para investidores atentos, trata-se menos de uma aposta futurista e mais de uma decisão estratégica: investir no espaço é, cada vez mais, investir no presente da inovação global.

Fontes

Emerging Tech Research, Vertical Snapshot: Space Tech - Pitchbook

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