De Baku para Belém

Por Itaú BBA

08 minutos de leitura

A contagem regressiva para a COP30 começou. A COP29, realizada em Baku, terminou no último dia 24/11, trazendo avanços importantes em temas como os mercados globais de carbono, a divulgação de novas Contribuições Nacionalmente Determinadas e a definição de uma nova meta de financiamento climático, a ser cumprida até 2035. O Brasil, além de apresentar sua NDC está cada vez mais perto de ter um mercado regulado de carbono e terá o desafio de lidar com as elevadas expectativas para a COP30, que ocorrerá em Belém e marcará 10 anos da assinatura do Acordo de Paris abrindo oportunidades de negócios importantes também para o setor privado. Leia abaixo um balanço das duas semanas da conferência, e o que esperar da primeira COP realizada na Amazônia.

- Dinheiro na mesa: as partes conseguiram chegar a um novo acordo sobre quanto dinheiro os países desenvolvidos (grupo de 23 nações e a União Europeia) devem repassar aos países mais vulneráveis para enfrentar a crise climática. É a Nova Meta Quantificada Global (NCQG). O total avança de US$ 100 bilhões por ano, definidos em 2009, para US$ 300 bilhões por ano. A meta começa a valer em 2026 e deve ser atingida até 2035. Deve haver também um esforço adicional para mobilizar US$ 1 trilhão anual, principalmente em recursos privados, totalizando, assim, US$ 1,3 trilhão. Apesar da discussão intensa e do valor inferior às expectativas, é mais um avanço a se comemorar pois pode estimular um aumento do financiamento climático público e privado ao longo dos próximos anos.

Fica para a COP30 indicar de forma concreta como o mundo pode chegar a esse novo volume de recursos, lembrando que o objetivo anterior de US$ 100 bilhões só foi alcançado em 2022, e com muitos questionamentos.

Não se espera que todas as respostas sejam encontradas em Belém, mas o Brasil terá exemplos de inovações para mostrar ao mundo. Uma delas é o programa Eco Invest, que usa recursos públicos e cooperação com bancos multilaterais para atrair investimentos para projetos sustentáveis por aqui (mais detalhes do Eco Invest e de resultados da COP29 estão na live de “Download” da Conferência, organizada pelo Capital Reset).

Novas soluções e instrumentos são cruciais para atingir as cifras que o mundo precisa para lidar com a nova realidade do clima, disse Avinash Persaud, assessor especial para mudanças climáticas do presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, ao Climainfo. “Só funcionará se esse dinheiro for, principalmente, para ajudar os países vulneráveis a se tornarem mais resilientes às mudanças climáticas, complementar outros esforços do FMI e dos bancos multilaterais de desenvolvimento para reduzir os riscos cambiais e outras barreiras que bloqueiam o fluxo de financiamento para a transição energética” nesses países, afirmou.

- Mercado global de carbono: a conquista mais celebrada da COP29 foi resolver as últimas pendências políticas do Artigo 6 do Acordo de Paris, que se arrastavam havia quase uma década. Agora, cabe aos técnicos a implementação na prática das duas modalidades de transação de carbono previstas no acordo. Uma delas, no Artigo 6.2, acontecerá por meio de negociações bilaterais entre países para cumprimento das metas nacionais, ou NDCs. A outra envolve um mercado propriamente dito, dentro do Artigo 6.4, no qual entes privados poderão vender créditos para que empresas ou países façam compensação de emissões. A expectativa é que esse sistema, operado pela ONU, seja o “padrão ouro” em termos de integridade climática e salvaguardas ambientais.

Este mecanismo é importante tanto para os países desenvolvidos, que terão dificuldade em neutralizar suas emissões residuais, quanto para os países em desenvolvimento, como o Brasil, que concentram boa parte das florestas e da biodiversidade global e que possuem, portanto, o maior potencial de redução de emissões.

-A China abre o jogo: Para efeitos da Convenção do Clima, assinada em 1992, a China é um país em desenvolvimento. Isso significa que o país, em tese, seria um dos recebedores do financiamento climático decidido em Baku. Isso não vai acontecer na prática, pois os recursos são voltados às nações mais pobres e vulneráveis. Mas há fortes argumentos para que os chineses passem para o grupo dos pagadores. O país entrou nas categorias de “alto desenvolvimento humano” da ONU e de “renda média para alta” do Banco Mundial. Para complicar, ultrapassou a União Europeia no ranking dos maiores emissores da história, atrás apenas dos Estados Unidos. Durante a COP29, integrantes do governo chinês foram claros como nunca sobre a posição de seu país.

O chefe da delegação chinesa, Zhao Yingmin, disse que o país concorda só em fazer investimentos voluntários, enquanto considera isso um “dever” dos países desenvolvidos. O vice-primeiro-ministro Ding Xuexiang disse que a China já dedicou US$ 24,5 bilhões em finanças climáticas para outros países em desenvolvimento desde 2016 (um estudo detalhado, liderado por Shuang Liu, diretor de Finanças para a China da ONG WRI, estimou essa cifra em US$ 4,5 bilhões por ano entre 2013 e 2022).

- Compromissos de redução: a nova rodada de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) cobre o período entre 2030 e 2035. Elas precisam ser apresentadas até fevereiro de 2025, para que, na COP de Belém, o conjunto dos compromissos seja avaliado levando em conta a meta de conter o aquecimento global em 1,5°C na comparação com a era pré-industrial. “Até a COP30, nosso objetivo central passa a ser alinhar NDCs suficientemente ambiciosas para alcançar a missão 1,5°C”, disse a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, em Baku. Os três primeiros países do mundo a apresentar suas NDCs foram o Brasil, que se compromete a reduzir emissões em 59% a 67% até 2035 em relação a 2005; o Reino Unido, com a meta de cortar 81% até 2035 em relação a 1990; e os Emirados Árabes, com a meta de corte de 47% até 2035 em relação a 2019.

O anúncio da nova NDC do Brasil em especial foi muito aguardada pela sociedade civil e pelos demais países do mundo uma vez que, além de sede da COP30, o Brasil é uma das dez maiores economias do mundo e um dos dez maiores emissores de gases de efeito estufa. Além disso, com quase 20% de toda a biodiversidade do mundo, uma grande produção agrícola e uma enorme disponibilidade de soluções baseadas na natureza, o Brasil é essencial para a descarbonização da economia global.

A NDC é importante para o setor privado pois indica as prioridades do país na jornada de transição climática e deve agora ser traduzida em planos de mitigação e de adaptação setoriais, que serão importantes para identificar e efetivar oportunidades de investimentos climáticos no país.

- Planejar para divulgar: Não existem um padrão ou critérios mínimos que os países precisam cumprir em suas NDCs. Esses planos são normalmente criticados pela falta de ambição, de detalhamento ou de ambos. Economias bem relevantes fizeram na COP29 um anúncio conjunto de que vão apresentar documentos mais profundos e bem explicados. União Europeia (mais Noruega e Suíça), Canadá, México e Chile querem criar esse novo padrão.

- Transparência: os signatários do Acordo de Paris precisam apresentar, pela primeira vez, Relatórios Bienais de Transparência (BRTs). Esses documentos incluem inventários nacionais de carbono, o progresso rumo às metas das NDCs, dados sobre impactos da crise climática e capacidade de prover apoio internacional, entre outras informações. O prazo vai até 31 de dezembro. No fim de novembro, o processo estava bem adiantado – além do Brasil, as maiores potências econômicas e dezenas de outros países haviam entregado seus BRTs.

-Força atômica: mais nações aderiram à Declaração pela Triplicação da Energia Nuclear até 2050, lançada na COP28. Já participam mais de 30 países, incluindo EUA, Coreia do Sul, Emirados Árabes, França, Japão, Reino Unido e Ucrânia.

- Participação do setor privado: houve manifestações importantes nas últimas semanas, incluindo uma lista de recomendações do setor financeiro – “Fazendo as finanças funcionarem pelo clima” – para o cenário pós-2025, preparada por quatro grande coligações ligadas à sustentabilidade (incluindo a PRI, de que o Itaú faz parte), que representam juntas mais de 5 mil empresas; a nova versão do chamado à ação “Hidrogênio Verde e Navegação Verde”, de 50 empresas da cadeia do transporte marítimo (incluindo o Porto do Açu, no Rio, e o Complexo do Pecém, no Ceará), parte do esforço para que, até 2030, ao menos 5% do consumo de energia nos navios seja de fontes limpas; e a carta aberta de 118 integrantes da Aliança de CEOs Líderes Climáticos (incluindo o CEO da CBA), pedindo mais esforço e urgência aos governos e ao setor privado nos cortes de emissões. A delegação brasileira em Baku incluiu 26 grandes empresas atuantes no país (nem todas brasileiras), principalmente do agronegócio. Estiveram presentes também representantes de cooperativas, Apex, CNI, CEBDS e Sebrae.

Rafael Tello, vice-presidente de Sustentabilidade da Ambipar, conta que fechou duas parcerias importantes durante o evento, com um governo estadual e uma entidade de classe, para prestação de serviços. Para ele, comparando com a experiência de duas COPs anteriores, a organização do evento foi muito boa e facilitou discussões paralelas às negociações entre governos. “Para mim, foi a COP dos encontros produtivos”, disse. Tello considerou previsíveis as dificuldades de avanço nas discussões diplomáticas.

Baku recebeu cerca de 65 mil delegados e 100 chefes de Estado para a COP29. Não foi um recorde – a COP28, em Dubai, foi a maior de todas as conferências. A delegação do Brasil no Azerbaijão foi novamente a segunda maior, atrás apenas do país anfitrião.

Num sinal de que os temas tratados são cada vez mais sérios, a tendência é as COPs exigirem cada vez mais horas de trabalho dos negociadores. Em Baku, foram 35 horas a mais depois do horário previsto para encerramento (a recordista foi a COP25, em Madri, com 44 horas extras). Quem vai a Belém precisa se preparar para essa maratona.

A COP30 vai oferecer muitas horas extras de trabalho também para as empresas interessadas nas oportunidades abertas pelo evento. A expectativa é de cerca de 60 mil visitantes – incluindo dezenas de milhares de delegados credenciados, além de um fluxo de ativistas jamais visto numa Conferência do Clima – durante as duas semanas de evento. Vai ser uma chance para contato com potenciais clientes, investidores e parceiros interessados em negócios sustentáveis e financiamento climático.

Espera-se um aquecimento em todas as atividades diretamente relacionadas ao fluxo de pessoas em viagem à capital paraense: transporte, hospedagem, turismo, cultura, gastronomia, treinamento, infraestrutura. Há esforços de orientação aos negócios por parte da Prefeitura de Belém, do Governo do Pará e do Sebrae.

O Brasil tem muito trabalho pela frente. Belém ainda não tem estrutura para um evento desse porte. Estão em andamento a construção de um parque e obras viárias e de saneamento, entre outras, com previsão de investimento de R$ 4,7 bilhões pelo governo federal e de R$ 1 bilhão pelo governo estadual.

Dentro das salas de negociação, os diplomatas vão precisar aproveitar muito bem as duas semanas de Conferência. A expectativa é que o tema do financiamento volte à tona na COP30, desta vez para tratar da implementação das ações previstas nas NDCs. A adaptação à nova realidade do clima também será um dos itens na agenda em Belém. Desde a COP27, no Egito, trabalha-se num conjunto de métricas para avaliar o grau de preparação dos países, trabalho que deve ser concluído na COP30.

Espere novas quedas de braço sobre como avançar na “transição que se afaste dos combustíveis fósseis”. Muitos países querem “aterrissar” – com metas ou um cronograma – a decisão histórica obtida no ano passado. Liderados pela Arábia Saudita, os grandes produtores de petróleo resistem.

O Brasil deve apresentar oficialmente o fundo TFFF (Tropical Forest Finance Facility), um mecanismo financeiro inovador para remunerar os países detentores das maiores florestas tropicais do mundo.

Esse trabalho ocorre num período de grande esforço diplomático e de influência internacional do Brasil, por causa também do G20 e do Brics (o país ocupou a Presidência do G20 de dezembro de 2023 a novembro de 2024. Conseguiu que a Cúpula de Líderes, diferente das duas anteriores, terminasse com declaração conjunta, incluindo seis páginas de reconhecimento à gravidade da crise ambiental global, com referências a clima, florestas, biodiversidade, oceanos, resíduos em geral e plásticos. O país vai ocupar em seguida a Presidência do Brics, de janeiro a dezembro de 2025.)