Faça seu negócio circular
Por Itaú BBA
O que têm em comum os fundadores da empresa Planta Feliz, que investiram R$ 120 mil para fazer adubo com resíduos orgânicos urbanos, a metalúrgica Tupy, que destinou R$ 7 milhões à pesquisa sobre reciclagem de baterias e a siderúrgica ArcelorMittal, que colocou R$ 50 milhões na dessalinização de água do mar? A resposta é fácil: todos usaram os princípios da economia circular para fazer bons negócios.
As três iniciativas abrem novos caminhos, cada uma do seu jeito. A Planta Feliz criou a primeira unidade de compostagem privada no Município de São Paulo. A Tupy desenvolve tecnologia própria para faturar com a gestão das baterias de lítio velhas, que vão se multiplicar conforme a economia se torna mais eletrificada. A ArcelorMittal se tornou referência em gestão hídrica no setor e quer que seus processos dependam menos de um recurso escasso, a água doce. Para quem quiser seguir esses exemplos e faturar mais, gastar menos, inovar e abrir frentes de negócio, as oportunidades são muitas e o momento é ótimo. Mas antes de botar a mão na massa, é importante alinhar algumas ideias.
A lógica linear (extrair, produzir, consumir e descartar) é intensiva em recursos e causa impactos ambientais excessivos. Entrar na economia circular se tornou uma alternativa segura para responder a questões colocadas diante das empresas: como avançar na transição energética, descarbonizar as operações, criar resiliência diante das secas, fortalecer cadeias de suprimentos, reavaliar modelos e criar uma cultura de inovação de processos, produtos e serviços.
A economia circular ainda é relativamente pequena no Brasil – o país recicla apenas 4% de seus resíduos e aparece na 177ª posição entre 180 países, num estudo feito pela Universidade Yale. Isso mostra uma necessidade de avanço, a fim de construirmos uma economia mais sustentável, e também uma variedade de oportunidades ainda abertas.
Mas a circularidade vai muito além da reciclagem. A ONG britânica Fundação Ellen Mac Arthur, autoridade global nessa conversa, a define por três princípios: A) diminuir ao máximo a geração de resíduos e poluição; B) recolocar no mercado produtos e materiais usados, sempre pelo valor mais alto possível; e C) regenerar a natureza.
Para orientar as escolhas dentro das empresas, a PBL (agência ambiental dos Países Baixos) propôs uma “Moldura dos Rs” – Recuse, Repense, Reduza, Reutilize, Repare, Recondicione, Reconstrua, Reaproveite, Recicle e Recupere, cada um com possibilidades para criar e melhorar negócios. A moldura de decisões começa na recusa ao consumo de certos produtos e materiais, passa por processos e ciclo de vida de produtos e serviços e termina na recuperação de energia a partir da queima de resíduos (sugerimos a quem adotar a Moldura dos Rs que coloque na lista mais um tópico, que faz falta na versão original – a Regeneração dos recursos naturais que fazem parte da cadeia de valor.)
Recuperando baterias. A Tupy já tinha uma cultura forte de reciclagem de sucata para fabricação de peças de metal. Deu um passo adiante quando aplicou a Moldura dos Rs a um novo cenário, a tendência de proliferação das baterias de lítio velhas.
“Quando discutimos descarbonização, pensamos sempre em como fazê-la de forma viável e pensando em um futuro multicombustível”, diz André Ferrarese, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento Disruptivo da Tupy, que deve inaugurar no segundo trimestre a planta-piloto e começar a fazer testes para os clientes. “Isso é resultado de investimento em P&D. Aproveitamos nossa competência técnica em engenharia, buscamos na academia novas competências e assim abrimos novas oportunidades de negócios.”
A metalúrgica procurou a academia e novos parceiros para implementar o projeto porque a circularidade é um esporte coletivo. É normal que as iniciativas dependam do trabalho em conjunto de empresas de tamanhos variados, startups, centros de pesquisa, cooperativas de catadores de recicláveis, prefeituras – e até mesmo concorrentes que podem se beneficiar do desenvolvimento de uma nova cadeia circular. Expandir a rede de parcerias também é uma forma de testar o uso de tecnologias como blockchain e inteligência artificial, assim como novos caminhos, mais limpos, para eliminar resíduos.
O Hub de Economia Circular, uma iniciativa empresarial, propõe como prioridade para as empresas “seguir além de suas fronteiras” e “engajar novos elos da cadeia”. (Mais abaixo você encontrará uma lista de ferramentas e links que preparamos para facilitar a entrada da sua empresa nesta rede.)
Quando usam essas lentes para observar o mercado, empresas de todos os tamanhos vêm encontrando demandas esperando para serem atendidas.
A startup B2, hospedada no Cubo Itaú, oferece uma plataforma de compra e venda de resíduos ainda aproveitáveis. A base de dados tem 10 mil categorias de resíduos e 25 mil empresas (incluindo gigantes como Adidas, Faber-Castell e Honda). A Klabin desenvolveu um saco de cimento dispersível, que pode ser jogado na mistura e desaparece no canteiro de obra mesmo, em vez de virar lixo. A Gerdau, com experiência de décadas na reciclagem de sucata de aço, presta serviços cada vez mais complexos (e valiosos): já desmontou 600 mil veículos nos Estados Unidos e ganhou leilões para desmontar e reciclar duas plataformas de petróleo desativadas da Petrobras. Só o governo paulista gasta R$ 6 bilhões por ano para destinar resíduo urbano e precisa continuamente de novos fornecedores, parceiros e ideias para lidar com a questão.
O tema esquentou nos últimos meses, por vários motivos. Desde 2024, o país ganhou o Fórum Nacional de Economia Circular, que reúne setor privado, ONGs e governos federal, estaduais e municipais, e se reuniu pela primeira vez em fevereiro; a Estratégia Nacional de Economia Circular (ENEC, que deverá propor incentivo à circularidade por meio de financiamentos, compras governamentais e tratamento tributário); o Plano Nacional de Economia Circular 2025-2034 (com consulta pública programada para terminar em março); e a regulamentação da Lei de Incentivo à Indústria da Reciclagem (que prevê dedução tributária para empresas incentivadoras de projetos aprovados pelo Ministério do Meio Ambiente, assim como um modelo de captação de recursos para esses projetos).
O assunto tem lugar garantido na COP30, em novembro, em Belém (como tem em todas as COPs), mas antes disso, de 13 a 16 de maio, vai ocorrer em São Paulo o Fórum Mundial de Economia Circular. O evento nasceu na Finlândia em 2017, tem apoio da ONU e do Fórum Econômico Mundial e vem pela primeira vez para a América Latina.
Links para mergulhar na circularidade:
Fornecedores e exemplos de negócios
- Circular Startups Index é uma lista de prestadores de serviços, com curadoria da Fundação Mac Arthur. Em março tinha 15 empresas brasileiras.
- Uma seleção de 35 empresas brasileiras de reciclagem foi organizada pela rede de empreendedorismo F6S.
- Startups atuantes em ESG e vários setores podem ser selecionadas no mecanismo de pesquisa do Cubo Itaú.
Orientação
- A Fundação Ellen Mac Arthur oferece conteúdo, cursos e acesso a uma rede de organizações engajadas no assunto.
- O Conselho Mundial de Negócios pelo Desenvolvimento Sustentável (WBCSD) preparou um Guia do CEO para a Economia Circular.
- A Green Week 2025 da União Europeia, evento anual, será em junho e sobre economia circular. O tema apareceu em edições anteriores, com conteúdo disponível no site.
Rede
- O Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), sem fins lucrativos, existe desde 1992 e oferece serviços de verificação da cadeia de reciclagem.
- O Hub de Economia Circular do Brasil é uma iniciativa privada que reúne empresas, academia e governos para fazer avançar essa agenda no país.
- O Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir) oferece uma visão ampla do setor no Brasil.
Ferramentas
- Uma lista de KPIs / métricas para a economia circular foi elaborada pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).
- Vários guias de Indicadores de Transição Circular , para setores específicos, e um relatório sobre gestão, apresentação e comparação de dados, o Intercâmbio de Dados de Circularidade , foram preparados pelo Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD).
- Está em desenvolvimento um Protocolo Global de Circularidade para os Negócios (GCP), para orientar a definição de metas, mensuração e reporte. Participam do esforço a ONG brasileira ICS (Instituto Clima e Sociedade), a ISO, as consultorias Deloitte, EY, KPMG e empresas multinacionais, como ABB, Henkel, Microsoft e Toyota.
- Uma lista das principais leis estaduais sobre reciclagem no Brasil foi organizada pela empresa EuReciclo.