Impactos da polarização em venture capital para startups
O cenário de venture capital tem enfrentado mudanças profundas diante de um ambiente macroeconômico incerto e taxas de juros persistentemente elevadas. Enquanto investidores institucionais (LPs) adotam uma postura mais seletiva, os gestores de fundos (GPs) direcionam seus recursos para setores estratégicos, como inteligência artificial e biotecnologia. O reflexo disso é uma forte polarização no ecossistema de capital de risco, tanto nos Estados Unidos quanto na América Latina. Exploramos as principais tendências que moldam esse mercado, à luz do mais recente relatório Quantitative Perspectives da PitchBook para o primeiro trimestre de 2025, e analisamos como o Brasil e a região latino-americana têm seguido essa mesma lógica.
Por Itaú BBA
Polarização do capital de risco em ambiente econômico instável
O ambiente econômico global continua cada vez mais instável. Nos Estados Unidos, onde as perspectivas para IPOs permanecem obscuras, o venture capital se mostra cada vez mais polarizado. Segundo o relatório da PitchBook, LPs têm concentrado seus aportes em megafundos, enquanto os GPs voltam seus investimentos para setores de alto crescimento como inteligência artificial (IA), software como serviço (SaaS) e biotecnologia. Como resultado, os unicórnios têm alcançado novas máximas de avaliação, com seu valor combinado se aproximando da marca histórica de US$ 3 trilhões.
Apesar de alguns sinais positivos na economia norte-americana — como a desaceleração da inflação, estabilidade no mercado de trabalho e crescimento sólido do PIB — o Federal Reserve manteve as taxas de juros de referência elevadas. Isso indica uma estratégia cautelosa, sugerindo que o cenário de “juros altos por mais tempo” deve se prolongar. Essa realidade limita o volume de negócios e de saídas (exits), sobretudo em um contexto de baixa confiança no mercado. Adicionalmente, fatores como instabilidade política, disputas comerciais e aumento de tarifas têm agravado a incerteza dos investidores. A volatilidade dos mercados públicos, em especial do Nasdaq, que entrou recentemente em território de correção, intensifica essa cautela
Reflexos na América Latina e no Brasil
Embora o relatório da PitchBook seja focado no mercado norte-americano, as mesmas dinâmicas têm se manifestado com clareza na América Latina. No Brasil, a taxa básica de juros chegou a 14,25%, impulsionando uma realocação de capital: investidores estão saindo da renda variável e dos ativos alternativos, buscando segurança na renda fixa.
Essa reconfiguração também se reflete no ambiente de venture capital regional. O capital está sendo direcionado de forma quase exclusiva para verticais de alto crescimento, como IA, aprendizado de máquina (ML) e SaaS. Setores menos badalados enfrentam dificuldades para atrair investimento. Ao mesmo tempo, os megafundos mantêm a liderança na captação de recursos, beneficiando-se de sua reputação consolidada e amplo acesso a investidores. LPs tornam-se cada vez mais seletivos, preferindo apostar em fundos maiores com histórico comprovado. Isso tem concentrado o capital nas mãos de players estabelecidos, enquanto gestores emergentes enfrentam grandes desafios para ganhar espaço. Mesmo os fundos maiores, embora ainda possuam recursos disponíveis (dry powder), estão investindo com mais cautela e em um ritmo mais lento, priorizando teses de alta convicção.
Perspectivas para IPOs e mercado secundário
A janela para IPOs permaneceu praticamente fechada em 2024, apesar das altas avaliações e da relativa estabilidade do mercado. Isso sugere que os investidores do mercado privado ainda estão ancorados nas expectativas de valor elevadas dos anos de boom, entre 2020 e 2021. Com isso, a atividade no mercado secundário ganhou força, embora ainda esteja concentrada em poucos unicórnios.
O equilíbrio de poder segue favorável aos investidores, com um ambiente amplamente considerado “amigável ao investidor” em todas as fases do ciclo. Isso se reflete tanto nas negociações primárias quanto nas transações secundárias.
Novas estratégias de liquidez e cautela dos Founders
Com a escassez de distribuições nos últimos anos, investidores vêm buscando novas formas de liquidez, como transações secundárias e continuation funds. Embora ainda pouco exploradas, essas alternativas começam a ganhar espaço em um cenário onde os tradicionais exits via IPO ou M&A continuam limitados.
Founders, por sua vez, estão mais cautelosos e evitam se comprometer com investidores de mentalidade de curto prazo. A natureza ilíquida do venture capital exige paciência, mas o prolongado ciclo de retorno baixo tem testado esse limite, tanto para empreendedores quanto para investidores.
Avaliações infladas e consolidação de capital
As safras mais recentes de fundos de venture capital vêm apresentando trajetórias de valor patrimonial líquido (NAV) muito diferentes da média histórica. Isso ocorre, em grande parte, devido às avaliações superestimadas durante o período de 2020 a 2022. Esse descompasso intensificou a aversão ao risco por parte dos LPs, reforçando a tendência de consolidação de capital nos fundos mais estabelecidos.
Impactos nas startups de tecnologia
Esse cenário de polarização no mercado de venture capital tem implicações significativas para startups e negócios de tecnologia, sobretudo na América Latina e no Brasil. A concentração de aportes em setores específicos, como inteligência artificial, SaaS e biotecnologia, somada à preferência dos investidores por megafundos com histórico comprovado, dificulta o acesso ao capital para startups emergentes ou que atuam em áreas menos visadas. De acordo com o relatório Quantitative Perspectives da PitchBook, mais de 60% dos investimentos globais em venture capital foram destinados a apenas 10% das startups em 2024, evidenciando a crescente concentração de recursos em poucos players e teses de alta convicção.
No Brasil, o ambiente é ainda mais desafiador: a taxa Selic, que atingiu 14,25%, provocou uma migração de capital para ativos de renda fixa, reduzindo significativamente o volume disponível para investimentos de risco. Com a janela de IPOs praticamente fechada desde 2022 e a atividade de M&As também enfraquecida, a liquidez do ecossistema permanece baixa, o que afeta diretamente a capacidade de retorno dos fundos e a confiança dos investidores. Para as startups, isso significa operar por mais tempo com recursos limitados, buscar eficiência máxima desde os estágios iniciais e adaptar suas teses às verticais que ainda atraem capital. Nesse novo contexto, apenas negócios com alto potencial de escalabilidade, tração comprovada e diferencial competitivo claro conseguirão se destacar e prosperar.
Conclusão
Apesar dos desafios atuais — juros altos, baixa liquidez, confiança abalada e concentração de capital — o futuro do venture capital ainda reserva boas oportunidades, principalmente nos setores movidos por tecnologia. O histórico do mercado mostra que períodos de retração são cíclicos. Embora a recuperação dos IPOs pareça distante, ela certamente virá. Até lá, o setor deve manter uma abordagem mais seletiva e estratégica. Continuo cautelosamente otimista: o copo ainda está meio cheio. A relevância desse tema para o setor tecnológico é evidente porque o acesso ao capital não depende apenas da inovação, mas também de uma leitura estratégica do mercado e da capacidade de alinhar-se às prioridades dos investidores em um ambiente cada vez mais seletivo e cauteloso.
Fontes:
Julia De Luca, vice-presidente de tecnologia para o Investment Banking do Itaú BBA.
Q1 2025 Quantitative Perspectives: All Quiet on the Exit Front - Pitchbook