O agro brasileiro na rota do baixo carbono

A jornada de descarbonização do agro é irreversível.

Por Itaú BBA

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O Brasil se tornou ao longo das últimas décadas uma potência mundial na produção agropecuária. Pela relevância do PIB do agro, o setor é um dos mais importantes – se não o mais importante – na agenda de descarbonização da economia brasileira.

Mas, mais do que isso, o país está diante de uma oportunidade única para se posicionar como fornecedor de proteínas animais, grãos e outros produtos agrícolas com baixa emissão de carbono e emprego de técnicas sustentáveis, atendendo a uma demanda crescente, tanto do ponto de vista regulatório quanto do mercado consumidor.

Segundo o estudo que apoiou o Plano de Transição Ecológica do Ministério da Fazenda, a agricultura sustentável poderá gerar um crescimento anual do PIB de US$ 25 bilhões a US$ 35 bilhões até 2030 e criar até 2 milhões de postos de trabalho e oportunidades para a inclusão produtiva.

“O Brasil sai na frente de outros países, porque temos conhecimento acumulado em técnicas como plantio direto e reconstrução de solos. Temos os ativos intelectuais e boa parte dos empresários e produtores já entendeu que, para exportar, é preciso fazer essa transição”, diz José Pugas, sócio da gestora de investimentos JGP e um especialista no setor, que já foi vice-presidente da rede Integração Lavoura Pecuária Floresta.

Para gerar ainda mais conhecimento específico e permitir a captura dessa oportunidade, a Esalq-USP acaba de inaugurar um Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCarbon), com o objetivo de estudar técnicas de absorção de carbono na agricultura praticada nas condições climáticas brasileiras.

Dois vetores impulsionam a tendência de descarbonização da agropecuária:

  • Mudanças climáticas - Se alguém ainda duvidava de que a mudança climática é real, o recorde de temperatura e os prejuízos deixados por eventos extremos em 2023 trataram de afastar as dúvidas. Enquanto na maioria das economias desenvolvidas os setores industriais respondem pela maior parte das emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global e a transição energética é a principal resposta para a crise, no Brasil o quadro é outro. O setor agropecuário responde diretamente por 27% do total de emissões de gases de efeito-estufa brasileiras. O agro também está conectado ao segmento chamado de ‘mudança do uso da terra’, que contabiliza os gases lançados na atmosfera quando a cobertura vegetal é substituída por outro uso de menor estoque de carbono e que responde por 48% das emissões brasileiras – estamos falando de desmatamento. Ou seja, sem a descarbonização do agro, o Brasil não conseguirá entregar suas metas de redução de emissões e muito menos chegar ao net zero. E essa é uma via de mão dupla: não se trata apenas de mitigar os efeitos do agro sobre o clima, mas também de proteger a própria atividade das mudanças climáticas, criando sistemas de produção mais resilientes. Além das perdas dos produtores, a quebra da safra por causa de fatores climáticos ameaça o PIB brasileiro e já preocupa o governo.
  • Mercado consumidor - Diante da pressão para descarbonizar suas próprias economias, grandes mercados consumidores dos produtos agropecuários brasileiros estão criando regras para limitar a importação de produtos intensivos em carbono e/ou ligados ao desmatamento de biomas. O caso mais conhecido e quem está mais adiantada nessa agenda regulatória é aUnião Europeia. Mas a China, maior emissor de CO2 do planeta e principal mercado dos grãos brasileiros, também já está impondo barreiras. “A China já não quer importar produtos ligados ao desmatamento e está exigindo rastreabilidade da cadeia”, diz Eduardo Assad, consultor, professor e pesquisador brasileiro especializado em mudanças climáticas e seus impactos sobre o agronegócio, que esteve na China recentemente. E essa não é uma questão que afeta apenas o Brasil. O mundo todo enfrenta o desafio de garantir a segurança alimentar de uma população crescente de forma sustentável. Na COP28, em Dubai, a agricultura foi incluída como parte da solução para as mudanças climáticas e considerada um dos temas mais relevantes da Declaração de Sistemas Alimentares, assinada por 137 países.

Ou seja, pelo amor ou pela dor, a jornada de descarbonização do agro brasileiro é irreversível.

Mas o que é uma agricultura de baixo carbono, ou ABC?

O termo é um amplo guarda-chuva, também chamado de agricultura regenerativa, que abriga uma variedade de práticas e tecnologias capazes de diminuir a intensidade de emissões e/ou aumentar a absorção de carbono. Algumas das principais:

  • Sistema de plantio direto (ausência de revolvimento do solo, rotação de culturas e cobertura permanente do solo);
  • Recuperação de pastagens degradadas;
  • Sistemas integrados de lavoura pecuária e floresta, em diferentes combinações: ILP, ILF, IPF, ILPF;
  • Sistemas agroflorestais (SAF);
  • Fixação biológica de nitrogênio e
  • Tratamento de dejetos animais (responsáveis pela emissão de metano)

Na pecuária, a intensificação da produção é uma das mudanças mais significativas, capaz de trazer ganhos de produtividade, ao mesmo tempo que libera área para ampliação da agricultura sem necessidade de abertura de novas fronteiras ou reflorestamento. “Os pecuaristas estão aderindo mais rapidamente que o produtor de grãos porque já perceberam que a redução da emissão de CO2 promovida pelo sistema intensivo vem acompanhada de aumento da eficiência”, diz Eduardo Assad.

Mas o agro brasileiro já não é ABC? Infelizmente, não. As áreas de pastagens degradadas são imensas, em torno de 90 milhões de hectares, a produção de monoculturas (sem a rotação de culturas ou integração com pecuária ou floresta) é prática comum em grandes e pequenas propriedades de todas as regiões, e o manejo correto de dejetos ainda é tímido. Apenas o plantio direto está mais disseminado. Mas os números não são precisos. As estimativas variam de 15 milhões de hectares a 33 milhões de hectares (metade das lavouras do país). No entanto, estima-se que em apenas 20% dos casos o plantio direto é feito respeitando todos os pilares da técnica, o que garante qualidade e resultados.

Política pública - Não é de hoje que o tema está no radar das políticas públicas, mas teve um avanço tímido que só agora parece estar ganhando tração.

Em 2010 o governo lançou o Plano ABC, para incentivar o agro de baixo carbono no país, como parte dos esforços de cumprir as metas climáticas brasileiras. Concomitantemente foi criado o Programa ABC, de financiamento público para adoção de tais práticas.

De um total financiado em torno de R$ 400 milhões no primeiro ano, o volume saltou para cerca de R$ 5 bi em 2022. “Mas ainda é uma fração de 2% de todo o Plano Safra. Isso é nada perto da importância que tem”, diz Eduardo Assad, completando que, invariavelmente, sobraram recursos por falta de incentivos específicos.

A regra do jogo começou a mudar no Plano Safra 2023/2024, que está em vigor, e a expectativa é que o financiamento para agro de baixo carbono comece a ganhar mais escala. Produtores com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) já analisado serão beneficiados com redução da taxa de juro, assim como quem adotar técnicas ou práticas sustentáveis: o corte é de 0,5 ponto percentual para quem adotar uma prática e de 1 ponto percentual para quem adotar duas ou mais práticas. Além disso, a linha para recuperação de pastagens tem a menor taxa de todo o Plano Safra: 7% ao ano.

Mas o desconto na taxa para quem adora práticas sustentáveis ainda não saiu do papel, segundo o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. Principalmente pela dificuldade de se comprovar e quantificar a adoção das práticas. A equipe do governo estuda qual ferramenta será utilizada para isso; uma das possibilidades é usar a Plataforma AgroBrasil+Sustentável, em desenvolvimento para atender os importadores de produtos brasileiros que precisam cumprir a lei anti desmatamento da União Europeia.

Cases e oportunidade de negócio

Não faltam exemplos e casos que apontam para a descarbonização do agronegócio no Brasil.

  • A Fazenda Roncador migrou da pecuária extensiva para a integração soja e gado e já colhe resultados, inclusive aumentando a resiliência diante de eventos climáticos. A holding Caaporã também migrou para um modelo de pecuária leiteira de baixo carbono. “Não há como enfrentar a crise climática sem resolver a questão da pecuária”, diz o proprietário Luis Laranja. “Além disso, haverá cada vez mais oportunidades de negócios na agropecuária de baixo carbono”, completa ele, que atualmente negocia o fornecimento de leite orgânico e carbono zero para um laticínio e também para a merenda escolar de uma prefeitura.

  • Organizações sem fins lucrativos e startups têm se dedicado a desbravar a agricultura regenerativa. Preta Terra, reNature, Belterra e Inocas são alguns dos nomes focados na implantação de sistemas agroflorestais e na recuperação de pastagens com integração lavoura-pecuária- floresta.
  • Impulsionados pelas exigências de compradores, pela regulação em mercados consumidores e pelos compromissos de se tornar net zero, os grandes frigoríficos brasileiros, como JBS, Marfrig e Minerva, têm se movido para fechar o cerco ao desmatamento e reduzir a pegada de carbono em suas cadeias de fornecimento.

Alavancas

Algumas alavancas podem acelerar a jornada de descarbonização do agronegócio brasileiro.

  • Especialistas, como Pugas e Assad, e uma parte da equipe do próprio governo têm defendido que o Plano Safra em sua íntegra seja dedicado ao agro de baixo carbono. Essa também é uma das recomendações feitas no estudo que apoiou o Plano de Transição Ecológica.
  • José Pugas fala em ‘alinhamento do capital’. “Conforme o Plano Safra e o financiamento bancário passem a operar com critérios mais estritos para o setor, o mercado de capitais também precisa caminhar na mesma direção, sob risco de termos ‘vazamento’ do financiamento da agropecuária intensiva em carbono.”
  • A atividade agropecuária primária (no campo) ficou fora do projeto que criará o mercado regulado de carbono brasileiro, ou seja, não estará sujeita a limites nas emissões. Mas muita gente vê oportunidades de receita adicional para o setor na geração de créditos de carbono a partir da adoção de práticas sustentáveis, que poderão ser comercializados inclusive no mercado regulado (a depender da regulamentação da lei).
  • José Pugas acha que a venda dos créditos de carbono em si não será uma fonte de receita tão relevante para o setor. “O que temos visto e que vai crescer é a incorporação do carbono no preço pago pelas commodities agropecuárias”, diz ele. “Grandes compradores já estão trilhando esse caminho, que vai se intensificar conforme os créditos de carbono se tornem mais demandados.”