O mercado regulado de carbono está chegando ao Brasil. Sua empresa está preparada?

Por Itaú BBA

08 minutos de leitura

A Tesla insistiu por três anos, até que conseguiu. Em maio, finalmente obteve autorização do governo da Coreia do Sul para vender créditos de carbono no mercado regulado do setor automotivo do país.

Como resultado, a companhia passará a ter uma nova fonte de receitas. Logo de partida, a empresa americana tem US$ 145 milhões em créditos de carbono a oferecer, originados a partir da venda de seus carros elétricos no país asiático – e a demanda de outros fabricantes de veículos por esses créditos existe. É injeção de dinheiro direto no caixa.

A Tesla conhece o terreno: a Califórnia, Estado natal da empresa, também tem o seu mercado regulado de carbono. Nos Estados Unidos, desde 2019 a Tesla fatura com as chamadas licenças de emissão, que vende principalmente para suas concorrentes tradicionais. Só no ano passado, a montadora embolsou US$ 1,8 bilhão com esse negócio.

Oportunidades assim vão se espalhando pelo mundo, conforme aparecem mais mercados regulados, que ao regulamentarem determinados setores e estabelecerem um limite para suas emissões, colocam um preço nas emissões de carbono de setores poluentes.

Alguns números sobre a abrangência os mercados regulados:

  • US$ 104 bilhões foram arrecadados pelas autoridades dos mercados em 2023, segundo o Banco Mundial;
  • US$ 949 bi foram transacionados nesses mercados, segundo estimativa da Bolsa de Londres;
  • Cobrem hoje 24% das emissões globais (na estimativa mais conservadora, do Banco Mundial) e mais da metade da economia mundial;
  • Existem pelo menos 73 mercados regulados, incluindo China, União Europeia e 13 Estados americanos.

Agora, o Brasil está perto de ter o seu mercado regulado, batizado de Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE).

Não é preciso ser uma multinacional bilionária como a Tesla para conseguir lucrar com a novidade. No Brasil, se a proposta em avaliação no Congresso for aprovada, teremos um mercado com quase 5 mil grandes empresas participantes tendo necessidades novas de créditos de carbono e também de tecnologias e serviços variados para contabilizar e cortar emissões em suas operações.

Sua empresa está pronta para aproveitar?

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Antes de avançar na resposta, é bom saber onde estamos pisando.

A lógica da precificação do carbono é permitir a internalização do custo das emissões, uma externalidade negativa que traz custos para toda a sociedade. Em teoria, essa precificação tem potencial de direcionar a demanda dos consumidores e investidores para produtos menos intensivos em emissões e estimular investimentos em projetos e tecnologias mais limpas.

E qual a diferença entre mercado voluntário e mercado regulado?

No mercado voluntário, como o nome sugere, as empresas compensam a emissão de CO2 de forma voluntária, sem uma imposição regulatória, e o fazem, na maioria das vezes, por uma questão reputacional e concorrencial. Esse mercado, que é alimentado pelos compromissos das empresas de se tornarem carbono neutras, tem suas especificidades e complexidade e é tema para outra conversa. Mas é importante saber que o mercado regulado em estudo no Brasil deverá admitir créditos de carbono do mercado voluntário para compensar parte das emissões dos entes regulados.

Já os mercados regulados, foco desta newsletter, são resultado da ação de governos — nacionais, estaduais ou regionais — que determinam esquemas fechados envolvendo setores específicos, com o objetivo de estimular a descarbonização da economia.

Também é preciso desfazer uma confusão comum: os ativos transacionados em cada um desses ambientes são distintos. Os créditos de carbono são negociados no mercado voluntário, enquanto nos mercados regulados do tipo cap and trade são negociadas as chamadas ‘licenças de emissão’.

Há dois modelos de esquemas regulados:

1) Cap and trade (CAT): a autoridade responsável define um limite máximo (“cap”) para as emissões de carbono de cada empresa participante; distribui a cada empresa um número de permissões de emissão, proporcional ao “cap” combinado; e permite o comércio (“trade”) de permissões entre as empresas com “crédito” (que emitiram menos do que podiam e têm permissões sobrando) e aquelas com “dívida” (que emitiram mais do que podiam e precisam conseguir mais permissões). O objetivo é gradativamente diminuir o número de permissões concedidas para incentivar a adoção de tecnologias de redução e remoção de gases de efeito estufa.

Esse modelo também é chamado ETS (Sistema de Comercialização de Emissões). A regulação em análise no Congresso Nacional para a criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (Projeto de Lei 182, no Senado) segue o modelo CAT.

Sistemas dessa categoria cobrem uma fatia cada vez maior das emissões globais e se espalham pelas maiores economias. Estão em funcionamento na União Europeia (60% das emissões já supervisionadas), em países como Reino Unido (45%), China (10%), Coreia do Sul e Indonésia, e em diversas jurisdições subnacionais importantes, como Califórnia (40%), Tóquio (40%), Beijing e Shangai (a China tem um sistema nacional e pelo menos oito sistemas regionais em teste).

2) Tributação sobre o carbono ou carbon tax: quanto mais carbono a empresa emite, mais tributo paga. O sistema pode incluir alguma forma de imposto sobre o carbono em importações, para igualar as condições entre os produtos locais e aqueles vindos do exterior.

Sistemas de tributação sobre o carbono foram os preferidos até agora pelos países latino-americanos e estão em funcionamento no México, na Argentina, na Colômbia, no Chile e no Uruguai. Também se difundiram por alguns países desenvolvidos, como Finlândia, Noruega, Países Baixos e Suécia.

A União Europeia está implementando uma tributação sobre o carbono sobre produtos importados, batizado de mecanismo de ajuste de fronteira do carbono (CBAM, na sigla em inglês). O objetivo declarado do bloco é garantir que empresas não transfiram sua produção para regiões em que não existe precificação de carbono. A taxa, que é alvo de críticas como medida protecionista, entrará em vigor em 2026 , num primeiro momento, para setores específicos como cimento, energia elétrica, fertilizantes, ferro e aço, e alumínio. No caso do Brasil, os setores mais afetados, pela relevância na pauta exportadora, serão os de ferro fundido e aço, alumínio e produtos químicos inorgânicos.

Existem benefícios associados à adoção desses mercados regulados?

Pesquisas variadas constataram que os mercados regulados aumentaram a renda per capita na Califórnia; o ritmo de inovações relacionadas a tecnologias de baixo carbono entre as empresas reguladas na UE; o faturamento dessas empresas; e a eficiência dos empreendimentos regulados na Alemanha.

E o Brasil, como vai entrar nessa história?

O Brasil chega atrasado a essa conversa, se pensarmos que a UE coloca preço no carbono desde 2005 e vários países latino-americanos também já fazem isso.

Mas a oportunidade é imensa, com potencial de geração de US$ 120 bilhões em receitas para o Brasil com créditos de carbono até 2030. E ainda dá tempo de o país dar esse passo antes de sediar a COP30, em 2025, em Belém.

Nosso mercado regulado foi aprovado na Câmara em dezembro de 2023. No Senado, o texto foi designado como PL 182 e aguarda apreciação.

Os tópicos fundamentais da proposta são os seguintes:

  • Empresas que emitam mais de 10 mil tCO2e (toneladas de carbono equivalente) por ano ficam submetidas à regulação. Elas deverão apresentar periodicamente um plano de monitoramento e um relatório de emissões e receberão um número de permissões para emitir (que serão ativos negociáveis, como ações ou títulos de dívida). A autoridade responsável vai decidir, regularmente, se distribui gratuitamente ou leiloa novas permissões para abastecer o mercado. Se o mercado funcionar do jeito certo, o governo vai emitir cada vez menos permissões e elas vão ficar mais caras a cada ano;
  • Empresas que emitam entre 10 mil e 25 mil tCO2e por ano precisam propor um plano de monitoramento de emissões e relatar periodicamente seu cumprimento;
  • Empresas que emitam mais de 25 mil tCO2e por ano, além de precisarem propor um plano de monitoramento de emissões e relatar seu cumprimento, deverão fazer uma conciliação periódica de obrigações, provando que suas emissões estão devidamente cobertas por permissões de emissão (recebidas do governo ou compradas no mercado). Créditos de carbono do mercado voluntário também serão aceitos para ajudar a fechar a conta, num percentual que ainda será definido.
  • Empresas que falharem no cumprimento do plano e/ou na conciliação de obrigações ficam sujeitas a uma série de punições, como multa, embargo de atividade, suspensão de registro, licença ou autorização, perda ou restrição de acesso a linhas de crédito governamentais, incentivos e benefícios fiscais, e proibição de contratação pela administração pública por até três anos;
  • O PL prevê um período de transição de ao menos quatro anos até o funcionamento pleno do mercado, prazo durante o qual as empresas poderão se adaptar internamente para cumprir a nova regulação, com medidas como a realização dos seus inventários de emissão.
  • O setor agropecuário primário está fora do projeto de lei em discussão no Senado. O setor também não faz parte do mercado regulado em outros países, por questões técnicas.

Marcio Nappo, vice-presidente de Sustentabilidade da Bracell, do setor de celulose, é um entusiasta da criação do mercado regulado no país. "As empresas mais eficientes na gestão de carbono e inovação serão duplamente premiadas pelo mercado: primeiro, podendo vender créditos de carbono e permissões de emissão nos mercados de carbono. Em segundo lugar, tendo a preferência dos clientes e investidores."

A Bracell é positiva para o clima: absorve cerca de 5 milhões de toneladas de CO2 por ano, já contabilizando o que é removido por plantações de eucalipto e áreas de floresta nativa e o que é emitido por operações industriais e de logística.

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As novas frentes de negócios podem se espalhar por vários setores, e de muitas formas diferentes. “Achamos que o mercado regulado vai puxar as companhias que antes não tinham muito compromisso com a questão. E vai criar oportunidades ao longo da cadeia. Cada fornecedor pode receber pelo insumo que vende e também pelo crédito de carbono que gera”, diz Paulo Dallari, diretor de relações governamentais da Natura.

Caminhos para aproveitar as oportunidades que se abrem:

As grandes empresas sob regulação ganharão um incentivo financeiro para inovar e adotar novas tecnologias e processos. Para elas, descarbonizar a operação passará a significar menos gasto com as permissões, e elas precisarão cumprir planos combinados com a autoridade do mercado. Quem vai fornecer as novas tecnologias e processos necessários para essa descarbonização acelerada?

Paulo Guerra, diretor na Fundação Dom Cabral, acredita que a maioria das empresas reguladas vai se encaixar num meio termo – não chegam a ser campeãs da transição, mas estão abertas a fazer algumas mudanças. Mesmo quem não tiver uma cultura de pesquisa e desenvolvimento, vai precisar investir em tecnologia para cortar emissões.

“Aí abre-se um leque de oportunidades para prestadores de serviços”, diz Guerra. Entre os segmentos bem posicionados para ganhar com a mudança, ele enumera biotecnologia, energia limpa, automação, inteligência artificial e tudo que se relaciona com ganho de eficiência e precisão.

As novas exigências também obrigarão até mesmo as empresas menos engajadas com a temática a descarbonizar também a sua cadeia de suprimentos. Assim, fornecedores que se adiantarem poderão ter vantagens competitivas importantes.

Espera-se que o mercado regulado crie demanda também para os créditos do mercado voluntário. Mas, para serem aceitos, os créditos precisarão atender a requisitos de qualidade. “A tendência é que a qualidade dos créditos de carbono se eleve e isso ajude a transferir recursos dos setores mais poluentes para os mais limpos”, afirma o professor Guerra.