Reduzindo emissões: Eficiência logística – seus desafios e soluções
Estratégias tecnológicas para um futuro mais limpo e eficiente.
Por Itaú BBA
No transporte de mercadorias, estamos andando para trás – pelo menos nas emissões de carbono.
O desafio, brasileiro e global, é o seguinte:
- As emissões de gases de efeito estufa dos transportes representam 20% do total global e são as que crescem mais rapidamente, entre todas as atividades.
- Na movimentação de carga (8% das emissões globais), o cenário é mais grave, com mais dependência do óleo diesel, mais e-commerce e mais delivery, no mundo todo.
- O segmento ainda depende quase que inteiramente de combustíveis fósseis e faz uma transição lenta demais. Corre o risco de se tornar o maior emissor de carbono até 2050, se as empresas continuarem a fazer “business as usual”, alerta a pesquisadora Suzanne Greene, gestora da Iniciativa de Cadeias de Suprimento Sustentáveis do MIT.
Nessa história, o Brasil pegou uma rota diferente dos outros países de dimensões continentais: construiu menos ferrovias do que precisava e ficou dependente de caminhões, mais poluidores do que trens.
As consequências de decisões tomadas ao longo de décadas fica evidente numa comparação. Da nossa matriz elétrica, 87% se baseia em fontes renováveis, principalmente hídrica. Na matriz energética, que inclui transportes, a parcela de renováveis despenca para 47%, por causa da dependência dos caminhões a diesel. Se considerarmos só os transportes, a parcela de renováveis cai de novo, para 25%.
Essa fatia de 25% se deve ao uso de biodiesel e etanol. O indicador é melhor – ou menos ruim – que o global (na União Europeia, essa parcela está em 10%. A Suécia tem a maior participação do mundo de fontes renováveis nos transportes, 29%). Mas essa atividade precisa mudar.
Isso importa para toda empresa atenta à crise climática e às novas preocupações dos clientes. O trabalho de limpeza é responsabilidade de quem presta o serviço e também de quem contrata.
Como fazer isso? Com fôlego para trabalho de longo prazo, cabeça aberta para combinar várias soluções – e com urgência. “Independentemente do cenário no qual cada empresa está inserida, há algo em comum entre elas: todas podem começar a agir imediatamente”, diz Patricia Feliciano, diretora de sustentabilidade da consultoria Accenture para América Latina.
Cuidado: Novas tecnologias na pista
Não faltam ideias para descarbonizar a logística mundo afora e construir uma rede de “logística verde”.
Passar das ideias à prática exige atenção aos detalhes. Um combustível alternativo pode parecer ótimo no momento de uso, do tanque-à-roda (tank-to-wheel ou TTW), mas ser caro ou intensivo em Gases do efeito estufa na fase de produção, do poço-ao-tanque (well-to-tank, WTT).
Antes de escolher as melhores soluções e estratégias para sua empresa – ou cadeia, setor, cidade etc. –, vale observar o cenário geral e as tecnologias que podem amadurecer daqui a alguns anos, como sugere a Deloitte. A organização pode adotar uma estratégia válida pelos próximos cinco anos, já informada de que precisará adotar outra solução mais à frente.
Pensando só em transporte de carga terrestre, algumas das rotas de descarbonização mais importantes, começando pelas mais fáceis de adotar, são as seguintes:
>> Melhoria de processos e uso de recursos - uma boa dose de inteligência artificial, big data e internet das coisas consegue extrair mais eficiência de estruturas logísticas já existentes, como defende a DHL. Segundo o Banco Mundial, caminhões no Brasil rodam vazios em 47% dos quilômetros que percorrem. Uma boa meta seria chegar perto dos 25% registrados nos países desenvolvidos. Também é possível aumentar a eficiência de veículos com adaptações aerodinâmicas, melhor distribuição de carga e uso de aditivos.
>> Combustíveis de baixo carbono e que não exigem nova infraestrutura - uma opção promissora no Brasil é o biometano, produzido a partir do biogás resultante da decomposição de material orgânico. Ele emite menos carbono que etanol e biodiesel e pode ser misturado ao GNV em qualquer proporção. Em testes, cumpre os requisitos para transporte de carga pesada e a longas distâncias. O Brasil tem 20 usinas capazes de produzir esse combustível e a Abiogás, entidade das empresas do setor, estima que serão 90 até 2029. A produção é pequena, mas o gás está no PL 528/2020, em tramitação no Senado, que se propõe a incentivar os “combustíveis do futuro”. Entram também na categoria “drop-in” (é só usar, sem necessidade de grandes adaptações) os combustíveis sintéticos, similares aos fósseis e seus derivados, mas usualmente fabricados com carbono capturado de operações industriais.
>> Eletrificação - veículos movidos a bateria, limpos e silenciosos, parecem uma solução ótima para movimentação de cargas leves dentro de áreas urbanas, no chamado ‘last mile’. Aplicar essa opção para viagens longas e caminhões pesados é mais complexo, por causa do tamanho das baterias, da estrutura ainda limitada de pontos de recarga e também do tempo longo necessário para a recarga (mas há demanda para esse diferencial – confira mais abaixo). Essa tecnologia avança rapidamente e se difunde: empresas como Hitech-e e Movida oferecem aluguel de utilitários elétricos ou a gás; BYD, Ford, JAC, Mercedes-Benz, Scania, Volkswagen, Volvo e XCMG são algumas das montadoras que vendem caminhões e vans elétricos (e também movidos a biometano) no Brasil. Por aqui, temos um debate paralelo, sobre prós e contras dos veículos híbridos flex, que usam bateria para melhorar a eficiência, mas dependem de etanol ou gasolina para funcionar.
>> Hidrogênio - motores elétricos também podem ser movidos a hidrogênio. No cenário ideal, o hidrogênio verde (ou seja, produzido a partir de eletricidade de fontes renováveis) será um combustível limpo, que poderá ser fabricado em qualquer lugar e servirá para movimentar locomotivas e caminhões de grande porte. Mas a tecnologia ainda exige maturação. O equipamento necessário no veículo é caro e volumoso em comparação com as baterias de íon-lítio; e, no processo para produzir o hidrogênio, ainda perde-se 50% da energia usada. A China disparou na frente do resto do mundo no seu uso para transporte de carga e concentra metade do mercado global; Japão e Coreia do Sul também fazem essa aposta (deixando EUA e União Europeia para trás). O Brasil tem mais de 40 projetos de hidrogênio verde anunciados, com destaque para o Nordeste, que movimentariam US$ 30 bilhões em investimentos, mas um dos fatores que seguram essa fila é a falta de um marco regulatório, em discussão no Senado.
>> Sistemas autônomos - nem o melhor motorista do mundo vai poder competir com IA na direção. A condução mais suave e a redução média de velocidade economizam combustível (ou eletricidade) nos caminhões.
Algumas dessas tecnologias, como o hidrogênio e as grandes baterias, podem ajudar também a descarbonizar o transporte por mares e rios, setor que responde por 2% a 3% das emissões globais – e tem o compromisso de se tornar net zero (ou quase) até 2050. A energia eólica também vai ter um papel nisso, mas a maior aposta do setor é no metanol verde (a Maersk, maior transportadora marítima do mundo, tem 25 navios transitando com esse combustível). O Brasil tem interesse especial no tema: além da navegação de cabotagem, circulam pelos rios da Amazônia 25 milhões de toneladas de carga por ano.
Por fim, embora o transporte de carga por avião tenha uma fatia menos relevante das emissões globais, ele possui a maior intensidade de emissões (CO2 por tonelada transportada) entre todos os modais de carga. Neste caso, a rota de descarbonização mais viável atualmente é o combustível sustentável de aviação (SAF), que pode representar um ótimo negócio para o Brasil. O SAF é drop-in (misture e use) e pode ser fabricado a partir de resíduos orgânicos variados, inclusive gordura animal, e reduz em até 80% as emissões das aeronaves.
Como dar a partida – para quem contrata e para quem opera a logística
A primeira etapa nessa jornada é sempre medir as emissões e sua distribuição na cadeia de valor. Mesmo para quem tem estrutura logística própria (e acha que conhece bem seus ativos), esse trabalho precisa evoluir sempre.
O Grupo Boticário, que vinha mitigando suas emissões, registrou um aumento em 2023 depois de adquirir a Truss, que tinha fábrica, centro de distribuição e cadeia de fornecimento próprios.
As emissões de escopo 3, que acontecem na cadeia de valor e representam 98% do total do grupo, avançaram 29%. Segundo Luis Meyer, diretor ESG, o grupo vai acelerar iniciativas que já vinha implementando. “Um exemplo é a eletrificação da frota que faz o last mile da entrega de produtos para os franqueados.”
Para muitas empresas, entender as emissões de transporte significa analisar atividades fora de seu controle e dialogar com prestadores de serviço e revendedores. Antes de pensar em novas tecnologias e equipamentos, entram em cena esforços de educação, engajamento e melhoria de processos, começando pelo que tem potencial para cortar custos. A partir da configuração da cadeia de fornecedores e clientes, será possível desenhar “cenários de descarbonização”, diz Patricia Feliciano, da Accenture.
A etapa seguinte é considerar trocas de equipamentos, como eletrificação de frota, ou troca de prestadores de serviços, para dar prioridade aos mais empenhados na mudança. Empresas com mais recursos podem ajudar suas parceiras comerciais a fazer projeções mais complexas, capazes de revelar o modo de trabalho e o horizonte de tempo necessários para recuperar o investimento, como orienta a KPMG.
Prestadores de serviços logísticos podem ver motivos para resistir à mudança – inclusive o receio de adotar tecnologias menos maduras e com custos menos previsíveis.
Mas considere casos como o da Reiter Log, do Rio Grande do Sul:
- A empresa, dona de uma frota de 1.800 veículos, fez os primeiros testes em 2014 e acelerou em 2021 sua transição para fontes de energia renováveis.
- A evolução foi estimulada pelos pedidos de grandes clientes, como L’Oreal, Unilever e Coty.
- Hoje, a Reiter Log tem 248 caminhões movidos 100% a GNV e biometano e 30 caminhões 100% elétricos (inclusive veículos pesados, de 25 toneladas) e parte dessa frota foi financiada pelo Itaú BBA.
- A companhia usou cinco fornecedores e assim pôode comparar diferentes equipamentos e qualidade de atendimento das fabricantes. “Fomos pioneiros, e o pioneirismo significa testar, errar e corrigir”, diz Vanessa Reiter Pilz, diretora de sustentabilidade da empresa.
Segundo a executiva, a estratégia exige dois pontos de atenção: 1) o preço inicial dos veículos, mais caros que os equivalentes a diesel; 2) definição de rotas. Os veículos limpos trabalham em trajetos específicos, com abastecimento a gás e pontos de recarga elétrica.
Os resultados animaram: a posição de empresa de destaque em logística verde atrai novos clientes. A meta atual é que a frota inteira seja movida a energia sustentável até 2035.