Road to COP30: uma viagem com escalas em Bonn, Sevilha e Brasília
Por Itaú BBA
Negociadores internacionais deixaram a Conferência de Bonn aliviados na madrugada de 27 de julho, quase 12 horas depois do horário previsto. Por causa da COP29 um tanto travada em 2024 e do cenário geopolítico pior este ano, cheio de desconfiança entre países, muitos tinham medo de um congelamento total nas discussões sobre clima. Mas a diplomacia em geral – e a brasileira – funcionaram. Depois de um começo tenso, as negociações andaram.
Antes de avançar, um pouco de contexto: fica em Bonn, na Alemanha, a sede do Secretariado da UNFCCC (Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas). Por isso, ocorre lá, sempre no primeiro semestre, a conferência apelidada “SB”, sigla em inglês dos dois órgãos de apoio (subsidiary bodies – um para implementação e outro para aconselhamento científico e tecnológico) aos países e blocos participantes da COP. A SB funciona como reunião preparatória da COP, com o objetivo de definir a agenda da conferência, quando as decisões são tomadas.
A agenda da COP30 tem três itens principais: Transição justa (JTWP), Meta Global de Adaptação (GGA) e ações a partir do Balanço Global do Acordo de Paris.
Entenda cada um e como foi o desenvolvimento das negociações em Bonn:
Transição justa: principal avanço brasileiro
A negociação mais bem encaminhada foi a da transição justa, que trata dos impactos socioeconômicos da descarbonização sobre empresas, trabalhadores e comunidades vulneráveis. O texto-base para Belém foi ampliado para incluir questões de gênero, raça e afrodescendência, atendendo a demandas da sociedade civil.
Também houve sucesso em incorporar ao debate as chamadas medidas comerciais unilaterais, como o CBAM (mecanismo da União Europeia que taxará importações intensivas em carbono). Isso foi feito por causa da preocupação, razoável, de que a barreira comercial destrua empregos no país exportador sem ajudar na transição.
Metas de adaptação: tensão até o último minuto
A Meta Global de Adaptação deveria ser o tópico menos contencioso, mas o que ocorreu foi o contrário. Um acordo só foi obtido no fim da última noite de reunião.
Um painel técnico vai definir cerca de 100 indicadores objetivos e universais para determinar se os países estão adaptados a um clima que já mudou. Hoje, são quase 500 as métricas.
Elas vão incluir o acesso a meios de implementação, uma demanda dos países em desenvolvimento, e aspectos transversais, como inclusão social, juventude, gênero e direitos humanos.
Balanço Global: uma conversa difícil
Essa trilha negociadora inclui um tema sensível: as COPs precisam detalhar como se dará na prática a “transição que se afaste dos combustíveis fósseis” e em que prazos.
A vitória em Bonn foi manter as opções na mesa. A COP30 terá dois textos divergentes para começar a trabalhar. Não se espera grande avanço, mas o fato de não ter acontecido uma implosão foi considerado um êxito.
A avaliação de analistas é que o Brasil passou nesse teste da presidência da COP30. Dos três itens prioritários, conseguiu “dois textos e meio”, segundo Claudio Angelo, coordenador de política climática do Observatório do Clima.
André Corrêa do Lago, presidente da COP30, aproveitou a Conferência de Bonn para divulgar sua quarta carta à comunidade internacional, pedindo uma agenda de ação a partir das muitas decisões já tomadas e do Balanço Global. Corrêa do Lago propõe que a implementação se organize em seis eixos: 1) energia, indústria e transporte; 2) florestas, oceanos e biodiversidade; 3) agricultura e sistemas alimentares; 4) cidades, infraestrutura e água; 5) desenvolvimento humano e social; 6) um eixo transversal – catalisadores e aceleradores, incluindo financiamento, tecnologia e capacitação (Corrêa do Lago já vinha dando o tom da COP30 na primeira, segunda e terceira cartas).
Divididos pelos seis eixos, o presidente da COP30 listou 30 “objetivos”. Ele incluiu alguns que não são óbvios: a harmonização dos mercados de carbono e a integração do setor de seguros e das compras governamentais ao enfrentamento da crise – o que nos traz de volta às finanças climáticas.
Financiamento climático
Entre os temas espinhosos, o financiamento climático continuou em destaque e permeou todas as demais discussões da agenda. A questão é como canalizar o capital dos países ricos para a mitigação e adaptação em países em desenvolvimento.
Na COP29 se acordou que serão destinados US$ 300 bilhões anuais para a transição dos países vulneráveis, ritmo a alcançar até 2035 – mas ainda não se sabe como atingir este montante, nem como aumentar essa quantia para US$ 1,3 trilhão, parte da Nova Meta Coletiva e Quantificada (NCQG) aprovada em Baku. A COP30 não tem a responsabilidade de resolver o mecanismo de financiamento climático, mas seu grande objetivo é passar das palavras para a ação. Como fazer isso sem dinheiro fluindo?
“Finanças são um tópico fundamental para a agenda de implementação”, disse ao fim da Conferência de Bonn a CEO da COP30, Ana Toni. A conversa sobre dinheiro foi interrompida em Bonn – mas com a promessa de continuar fervendo na Conferência da ONU sobre Finanças para o Desenvolvimento, em Sevilha, de 30 de junho a 3 de julho (que incluiu clima na agenda, apesar de não ser só sobre isso) e no encontro Pré-COP30, em Brasília, em 13 e 14 de outubro. Depois disso, é a vez da COP30.
Outros destaques nos debates foram:
- Atenção às mulheres - Mudança climática é questão de gênero também. As mulheres sofrem mais com as consequências da crise, da multiplicação de catástrofes ao desaparecimento de recursos naturais. A UNFCCC adotou em 2017 seu primeiro Plano de Ação de Gênero (GAP). Uma nova versão do Plano, para os próximos 10 anos, começou a ser formulada em Bonn e deve ser concluída em Belém. Se der certo, vai incluir metas mais ambiciosas em capacitação de mulheres e liderança feminina, além de exigir mais clareza dos países ao reportar esses indicadores.
- Desinformação - Fora da agenda oficial, a delegação brasileira, incluindo Ana Toni, tentou mobilizar outros países para conter a difusão proposital de mentiras e distorções sobre a crise climática. O esforço brasileiro começou na COP29 e vai continuar em Belém.“Esses agentes de desinformação tentam enfraquecer a ação climática. Eles também usam a questão como arma para aumentar a polarização social e desestabilizar os processos democráticos”, afirmou Charlotte Scaddan, conselheira sênior da ONU para Integridade da Informação, durante as discussões em Bonn.
São muitos temas relevantes – e as negociações continuam vivas. Está aberto o caminho para um encontro histórico em Belém.