Sua empresa é eficiente no consumo de energia? Pense de novo.
Eficiência energética: uma forma de pensar operações mais sustentáveis e aumentar a competitividade no mercado.
Por Itaú BBA
A corrida da transição energética envolve múltiplas frentes de inovação que ocupam destaque no noticiário e entram na agenda das empresas empenhadas na descarbonização. Mas, no enfrentamento da crise climática de curto e médio prazo, um tema menos atraente importa tanto quanto – ou mais – do que adotar qualquer nova fonte limpa e renovável: a eficiência energética.
Buscar eficiência – ou seja, produzir o máximo gastando o mínimo, de qualquer recurso – sempre foi um objetivo das empresas. Mas no caso da energia, os horizontes do que é possível fazer se ampliaram muito nos últimos tempos, por diversos motivos, desde a queda de barreiras para entrada no mercado livre ao amadurecimento de tecnologias como big data e inteligência artificial.
Mesmo as empresas que fizeram o dever de casa nos últimos anos ainda podem descobrir que sua eficiência energética (EE) pode aumentar em níveis altíssimos, como 20% ou 30%, e em períodos curtos, antes do fim da década. Por quê?
Aproveitar essas oportunidades ao máximo envolve a adoção de práticas como engajar a equipe, reforçar a cultura, organizar os dados e rever processos. Adicionalmente: o ganho de EE significa maior controle de gastos e de emissões de carbono. Por isso, para qualquer negócio, fazer esse exercício é, no mínimo, saudável.
Para a sociedade, fazer esse trabalho é questão de sobrevivência.
Qual o cenário?
O consumo global de energia vai crescer, isso é certo. Ele mais que dobrou desde 1980 e deve avançar mais 25% até 2040, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA). Se o recurso for mal utilizado, precisaremos de ainda mais energia – e vamos sofrer as consequências.
Em 2018, a IEA afirmava, no seu melhor cenário, que 35% do corte global de emissões de carbono até 2050 precisaria vir do aumento de eficiência energética. Em 2021, esse esforço ganhou ainda mais importância e passou a representar 40% dos cortes necessários até 2040 para cumprirmos o Acordo de Paris.
Por isso, os representantes de governos na COP28, em 2023, concordaram em aumentar de 2% para 4% a meta anual de ganho de eficiência no mundo até 2030. Aceitaram o desafio cerca de 130 países, incluindo o Brasil.
Por falar nele…
Cada empresa pode fazer muito – mas antes disso, vale a pena entender o quadro geral no Brasil. Spoiler: ele deixa a desejar.
Nessa conversa, é tentador desviar o foco para o que o país tem de bom: matriz energética predominantemente limpa e oferta razoavelmente grande em relação ao consumo. Mas nada disso muda o fato de que desperdiçamos energia demais.
Os problemas começam na ineficiência gritante na rede de distribuição, que leva a uma perda de 7,4% de toda a eletricidade que é injetada no sistema, segundo a Aneel, agência reguladora do setor.
Esse indicador deveria melhorar ao longo do tempo, mas está na mesma desde 2008. Na região Norte, a perda passa de 10%. “Nossa rede de distribuição é antiga e ineficiente”, diz Emanuel Queiroz, vice-presidente de sustentabilidade da consultoria Capgemini no Brasil.
Quando se amplia o escopo para incluir também os consumidores de eletricidade e o uso de combustíveis de forma geral, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estima em 10,5% a perda de energia no país em 2022, no balanço mais recente.
Esse indicador fica abaixo de 10% na maior parte dos países desenvolvidos. Apesar de as perdas serem aumentadas pela transmissão de energia a longas distâncias, países com grande extensão territorial, assim como o Brasil, ainda apresentam índices melhores, como 7% na Austrália e 5% nos EUA.
Nessa conta, o desperdício é responsabilidade também do comportamento de consumidores que abusam dos combustíveis fósseis e fazem uso de equipamentos antigos, mal regulados, mal usados e ligados sem motivo.
A EPE usa um indicador chamado Odex para avaliar a evolução da eficiência energética. O Odex mostra avanço lentíssimo do Brasil, de apenas 8,6% entre 2005 e 2022; e a indústria, setor que mais consome, evoluiu apenas 3,5% no período, segundo o Atlas da Eficiência Energética de 2023. O Atlas indica que a intensidade em energia do país chegou a piorar no recorte de 2010 a 2022. Num recorte mais recente, de 2014 a 2022, a intensidade melhorou levemente, com queda ao ritmo de 0,4% ao ano.
Também é possível calcular a EE de um país por outros caminhos, como confrontar a evolução do PIB e do consumo de energia, como faz regularmente o Conselho Americano por uma Economia Eficiente em Energia (ACEEE). O Brasil foi mal numa análise em 2018 – perdeu 6% de eficiência, enquanto o México ganhou 7% e a China, 22%; e foi mal de novo em 2022 – ficou em 19º lugar em EE, num ranking das 25 maiores economias do mundo, atrás de países como China, México, Turquia e Índia.
Temos muito o que fazer. A notícia boa é que também existem muitas formas de avançar.
Antes, um passo atrás
Uma boa maneira de começar essa jornada é evitar armadilhas que costumam contaminar os planos das empresas, segundo especialistas:
- Falta de visão. Ainda há quem associe a busca por eficiência a conjunturas negativas – crise, cortes, apagão. Até por isso, parte do mercado hoje prefere a expressão “produtividade energética”, para representar um cenário bom, com energia segura, limpa e usada com muito critério.
- Pouca ambição. Companhias sem frota de veículos ou sem maquinário industrial tendem a atribuir menor importância à produtividade energética. É um erro. Além dos ganhos próprios, empresas de serviços podem influenciar fornecedores e clientes, para melhorar a cadeia inteira.
- Apego tecnológico. Tecnologias são só uma parte da solução. “Quem começa a mudança pela tecnologia, em vez de prestar atenção à cultura e aos processos, vai continuar errando, mas de forma mais ‘sofisticada’”, alerta Queiroz, da Capgemini.
- Cultura do desperdício. Recursos como a autogeração e o mercado livre podem dar a impressão de que a energia ficou muito barata. Mas toda geração e todo consumo causam impacto socioambiental. A cultura do desperdício não tem lugar na transição energética.
Sem esses vícios, fica mais fácil criar um bom plano de eficiência.
João Carlos Salgueiro de Souza, gerente de soluções sustentáveis na Schneider Electric, sugere apoiar a iniciativa em três eixos:
1) Engajar, educar e treinar: adotar melhores práticas e ainda ajudar o mundo é um jeito ótimo de envolver a equipe – e esse conhecimento é valorizado no mercado;
2) Melhorar processos: rever procedimentos, encontrar e eliminar pontos falhos beneficiam a operação inteira. Para fazer isso de um jeito sistemático, a empresa pode buscar uma certificação em EE, como ISO 50.001 , Procel Edifica , LEED ou BREEAM;
3) Pesquisar fontes renováveis: no processo de geração de eletricidade ou ao mover um motor a combustão, fontes fósseis perdem 50% a 70% da energia gerada, na forma de calor (essa perda se chama “energia rejeitada”). Avalie o uso de fontes limpas e mais eficientes para todas as atividades no negócio.
A partir daí, cada empresa tem um cardápio de medidas para escolher, dependendo de setor, geografia, cultura, problemas a resolver e o que mais achar importante. Alguns exemplos certamente vão ajudar a colocar o plano em pé:
- Adequar o escritório: nos edifícios comerciais, quem mais devora energia é o trio AVAC (Aquecimento, Ventilação e Ar-Condicionado). Dá retorno investir em isolamento térmico, áreas verdes, ventilação natural, manutenção regular e programação do ar-condicionado de acordo com a ocupação do prédio a cada horário. Muitas empresas ainda não fizeram o básico, como trocar lâmpadas incandescentes por LED e instalar motores adequados nos elevadores (que, aliás, também podem gerar energia para o prédio quando se movimentam). Vale a pena avaliar um retrofit energético para adaptar prédios antigos às novas necessidades;
- Digitalizar: Internet das coisas (IoT), big data e inteligência artificial (I.A.) permitem monitoramento mais detalhado e análises mais sofisticadas sobre o consumo. Também permitem a manutenção preditiva de equipamentos, a transferência de operações para a nuvem e a criação de gêmeos digitais, todas iniciativas capazes de economizar energia;
- Usar o mercado livre de energia : em 2024, o Ambiente de Contratação Livre (ACL) passou a aceitar as PMEs que contratam energia em alta tensão. Nesse mercado, empresas podem acessar mais facilmente energia gerada por fontes limpas e conseguir mais previsibilidade para seus planos de eficiência;
- Estudar PPAs (Power Purchase Agreements): esse modelo de negócio permite a compra de energia renovável de longo prazo, para um projeto específico, com preço prefixado. Normalmente, é um recurso para grandes empresas, mas existem experiências para a formação de grupos de compradores;
- Buscar uma ESCO - mais de 90 associados participam hoje da ABESCO, entidade que reúne as empresas de serviços de conservação de energia (ou, em inglês, energy services companies, as ESCO). Com muitas delas, o cliente pode assinar um contrato de performance, que define metas de ganho de eficiência e repartição dos resultados;
- Contratar EaaS - outra forma de testar novidades é o modelo Energy as a Service. O cliente pode contratar serviços variados, como autoprodução de energia solar, num sistema similar a uma assinatura. Assim, é possível experimentar novas possibilidades sem se comprometer com um grande investimento inicial;
- Resfriar direito - para data centers e outras instalações que pedem controle de calor, já existem muitas opções além dos sistemas tradicionais de ar refrigerado: resfriamento de precisão, corredores quentes e frios, resfriamento líquido e por imersão são algumas delas;
- Aderir a uma central distrital de água gelada - nesse modelo, uma única central fornece a água de refrigeração para um grupo de edifícios ou empresas. É uma solução mais eficiente do que um conjunto de sistemas de ar-condicionado próximos, porém independentes;
- Investir em uma subestação - essa ideia tem sentido para fábricas e edifícios comerciais de grande porte. O sistema ajusta a tensão da corrente de acordo com a necessidade do usuário – e economiza energia.
Entre os bons exemplos corporativos do Brasil, a farmacêutica Sanofi e a telefônica TIM mostram abordagens diferentes para chegar a resultados parecidos.
A francesa Sanofi já tinha desde 2010 uma política global unificada de Eficiência Energética, com visão bem holística – de processos, atividades, instalações e infraestrutura. A companhia percebeu que essa política acelerou o cumprimento de suas metas ambientais e, em 2021, avançou para uma nova fase, com o compromisso de neutralidade em carbono para toda sua cadeia de valor até 2030.
O esforço de EE passou a incluir mais iniciativas: geração solar própria, uso de biometano na frota, novos contratos na compra de energia (como um PPA no México e uma aquisição de energia geotérmica de longo prazo na França), comparações de mais indicadores entre países e um programa de “eco-driving”, para treinar motoristas a economizar combustível.
A política global garantiu que a nova sede brasileira, inaugurada em São Paulo em 2018, já fosse desenhada com consumo de energia 30% menor que um projeto convencional. O prédio ganhou selo LEED Gold e seu interior selo LEED Platinum. Globalmente, a companhia cortou o consumo total de energia em 7% entre 2019 e 2023 e tem a meta de fazer um novo corte de 15% entre 2021 e 2025.
Já a TIM preferiu adotar uma política bem focada na sua atividade mais devoradora de energia: o tráfego de dados. Para aumentar sua EE, a companhia investiu num projeto de geração distribuída, que hoje inclui usinas solares, hidrelétricas e de biogás, com a meta de que essas fontes atendam 59% de sua demanda até o fim de 2024; a empresa migrou 100% de seus data centers para a nuvem, em parceria com Microsoft e Oracle; chegou em 2023 à marca de 100% de energia comprada vinda de fontes renováveis; e, compartilha com a concorrente Vivo, infraestrutura para redes 3G e 4G.
Essa política levou à redução de 2% no consumo total de eletricidade da empresa. O avanço de EE no tráfego de dados, objetivo principal da companhia, foi de 160% entre 2019 e 2023. Um indicador crucial para data centers é a PUE (sigla em inglês para Eficiência no Uso de Energia) – quanto menor e mais próximo a 1, melhor. Os data centers da TIM atingiram em 2023 PUE de 1,46, melhor que a média global de 1,58.
Em 2023, apesar de o tráfego de dados da empresa ter aumentado 24% com relação a 2022 – influenciado pela cobertura 4G em todos os municípios e pela expansão do 5G –, o aumento no consumo de energia foi de apenas 8%, como resultado das iniciativas de eficiência energética adotadas pela companhia.