Terras raras e a cadeia de tecnologia

No centro da transformação digital e da transição energética global encontra-se um grupo de elementos químicos discretos, mas de importância estratégica crescente: as chamadas terras raras. Presentes em uma vasta gama de tecnologias, esses metais compõem aquilo que pode ser considerado a infraestrutura invisível da era tecnológica. À medida que o mundo se orienta para economias descarbonizadas, hiperconectadas e intensivas em inovação, a disponibilidade ou, por vezes, a escassez desses elementos, passou a exercer impacto direto sobre a competitividade industrial, a segurança energética, a soberania nacional e as decisões de investimento em setores estratégicos.

Por Itaú BBA

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O que são Terras Raras

As terras raras são compostas por 17 elementos químicos, sendo os 15 lantanídeos da tabela periódica, mais o escândio e o ítrio. Embora estejam relativamente distribuídas pela crosta terrestre, sua extração e separação são complexas, exigindo alta tecnologia e cuidados ambientais rigorosos. Suas propriedades magnéticas, ópticas, elétricas e catalíticas os tornam insubstituíveis em múltiplas aplicações industriais. Entre suas principais utilizações estão os ímãs permanentes de alto desempenho, fundamentais para motores elétricos e turbinas eólicas, catalisadores usados tanto em veículos quanto em processos industriais, sistemas de refino, equipamentos médicos, sensores ópticos de alta precisão, baterias avançadas, displays, lasers, entre outros.

Esses elementos estão profundamente integrados à cadeia produtiva de setores como transporte, energia renovável, microeletrônica, defesa, robótica, telecomunicações, saúde e inteligência artificial. A crescente miniaturização e eficiência dos dispositivos modernos só são possíveis graças à inclusão controlada de elementos como neodímio, disprósio, praseodímio, térbio e cério em suas composições técnicas.

Panorama mundial e o potencial do Brasil

No contexto atual, a China responde por aproximadamente 63% da produção global de terras raras e detém mais de 85% da capacidade de refino desses elementos, segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA). Esse domínio não ocorreu por acaso: ao longo de mais de três décadas, o país estruturou uma política industrial coordenada, com subsídios, desenvolvimento de tecnologia própria e controle regulatório rigoroso, o que lhe conferiu uma posição hegemônica no mercado.

Essa hegemonia permitiu à China utilizar sua capacidade de fornecimento como ferramenta geopolítica, como demonstrado pelas restrições impostas à exportação de elementos como gálio e germânio em 2023.

Em resposta, outras potências vêm investindo fortemente na diversificação de suas fontes de suprimento. Os Estados Unidos, por meio do Departamento de Defesa, aplicaram US$ 400 milhões na MP Materials, empresa encarregada de desenvolver uma cadeia de produção doméstica de ímãs de terras raras voltada prioritariamente para o setor de defesa. A Austrália, por sua vez, ampliou as operações da Lynas Rare Earths com novos investimentos em capacidade de refino fora da Ásia. Na União Europeia, novas diretrizes estratégicas visam garantir acesso estável a minerais críticos, enquanto a Índia intensifica a prospecção e o investimento público em mineração de alto valor agregado.

Nesse cenário global em transformação, o Brasil emerge como um potencial player relevante. Segundo o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e o IPEA, o país possui cerca de 20 milhões de toneladas de óxidos de terras raras em reservas inferidas, o que o coloca entre os cinco países com maior potencial mineral do mundo. Uma jazida recentemente identificada sobre um antigo vulcão no Sul de Minas Gerais tem potencial estimado superior a 1,2 milhão de toneladas de óxidos de terras raras, incluindo elementos pesados e de alto valor tecnológico, como térbio e disprósio. Essa jazida poderia, sozinha, suprir até 20% da demanda global de determinados elementos se explorada de forma sustentável.

Outras regiões brasileiras, como Goiás (região de Morro do Ferro), Tocantins, Amazonas e Bahia (Seabra e Campo Formoso), também apresentam depósitos com elevado potencial econômico. No entanto, o Brasil ainda carece de infraestrutura industrial para refino em escala, o que limita sua capacidade de capturar valor ao longo da cadeia. Hoje, o país se posiciona majoritariamente como exportador de concentrados brutos, com baixa inserção nas etapas de separação, purificação e produção de compostos de alto valor agregado. Apesar dessas limitações, há esforços em andamento para desenvolver competências nacionais. O Centro de Tecnologia Mineral (CETEM), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, realiza pesquisas sobre rotas de refino e reaproveitamento de resíduos industriais contendo terras raras. Parcerias com universidades como a UFMG, UFOP e o IPEN também buscam desenvolver tecnologias de separação por solventes, adsorção seletiva e uso de membranas, com foco na viabilidade ambiental e econômica.

Relevância para a cadeia tecnológica global

As terras raras ocupam posição estratégica na cadeia de valor de diversas tecnologias emergentes. A mobilidade elétrica, por exemplo, é altamente dependente de ímãs permanentes à base de neodímio, praseodímio e disprósio. Um carro elétrico moderno contém, em média, entre 1 e 2 quilos desses compostos em seus motores, contribuindo para maior densidade de torque e eficiência energética. Com a venda anual de veículos elétricos projetada para ultrapassar os 40 milhões de unidades até 2030, segundo a IEA, estima-se que a demanda por ímãs de terras raras magnéticas dobre até o final da década. A indústria de energia renovável é outro grande vetor de demanda. Turbinas eólicas offshore de grande porte utilizam até 600 quilos de ímãs de terras raras, utilizados para reduzir atrito mecânico e ampliar a conversão de energia cinética em elétrica. Com a previsão de expansão da capacidade eólica offshore global para mais de 400 GW até 2030, a pressão sobre o suprimento desses materiais será significativa.

Além disso, a digitalização da economia e o avanço da inteligência artificial têm impulsionado a necessidade de elementos utilizados em sensores ópticos, componentes miniaturizados e dispositivos móveis inteligentes. Elementos como cério, lantânio, térbio e gadolínio são essenciais para a fabricação de lasers, displays, lentes adaptativas, sensores para carros autônomos e equipamentos biomédicos de alta resolução. O mercado de dispositivos vestíveis com tecnologia de IA, como relógios e óculos inteligentes, deverá atingir US$ 165 bilhões em 2032, segundo estimativas da Allied Market Research.

Em termos de mercado global, a consultoria Grand View Research projeta que o valor da indústria de terras raras crescerá de US$ 3,95 bilhões em 2024 para aproximadamente US$ 13 bilhões em 2032, com taxa composta de crescimento (CAGR) estimada em 15,6% ao ano. Empresas líderes em tecnologia como Apple, Tesla, Google e Microsoft monitoram atentamente a cadeia de fornecimento e investem em estratégias de diversificação, incluindo acordos diretos com mineradoras, projetos de reciclagem e desenvolvimento de materiais alternativos.

Perspectivas para investimento em tecnologia

O desempenho futuro de setores estratégicos como veículos elétricos, energia renovável, inteligência artificial, big data, computação quântica e defesa depende cada vez mais do acesso seguro e competitivo a terras raras. Segundo a Agência Internacional de Energia, os investimentos globais em mineração e refino de minerais críticos devem superar US$ 130 bilhões até 2040. Startups que atuam na reciclagem de ímãs e no desenvolvimento de substitutos sintéticos para materiais magnéticos vêm atraindo aportes crescentes, com mais de US$ 3 bilhões em venture capital captados apenas em 2023.

No Brasil, a viabilização de uma cadeia tecnológica de beneficiamento pode representar uma oportunidade estratégica de desenvolvimento industrial. A criação de polos integrados de mineração, refino e fabricação de componentes — conectados a centros de pesquisa e à política de inovação — seria um passo decisivo para o país ocupar uma posição de protagonismo. A entrada de fundos de investimento, parcerias com empresas internacionais e a integração com cadeias globais de valor em setores de alta tecnologia são caminhos viáveis para capturar esse potencial.

Para gestores de fundos, empresas de base tecnológica e formuladores de política industrial, o acesso estável a terras raras torna-se um elemento central para o sucesso na nova economia verde, digital e autônoma.

Conclusão

As terras raras são a espinha dorsal invisível que sustenta a economia tecnológica do século XXI. Sua presença é silenciosa, mas absolutamente crítica para a mobilidade elétrica, energias renováveis, digitalização e defesa nacional. Além do aspecto econômico, essas matérias-primas são instrumentos de poder geopolítico e vetores de soberania industrial. O Brasil tem em mãos uma oportunidade estratégica rara: transformar seu vasto potencial mineral em liderança tecnológica e industrial. Para isso, será necessário mais do que exploração mineral: será preciso visão de longo prazo, políticas públicas coordenadas, rigor ambiental e investimento em ciência e tecnologia. Os países e empresas que assegurarem acesso confiável e competitivo a esses recursos estarão em melhor posição para liderar a próxima era de transformação industrial e digital. E, para os empreendedores que souberem combinar inovação, eficiência e inteligência estratégica, o caminho para escala global está pronto para ser trilhado com ambição e impacto.

Fontes

G1 – “Jazida sobre vulcão inativo no Sul de MG pode colocar o Brasil na liderança da transição energética” (21 jun 2025)

https://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/2025/06/21/terras-raras-jazida-sobre-vulcao-inativo-no-sul-de-mg-pode-colocar-o-brasil-na-lideranca-da-transicao-energetica.ghtml

G1 – “O que são terras raras e como a China e os EUA usam como arma estratégica” (29 jun 2025)

https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/06/29/o-que-sao-terras-raras-e-como-a-china-as-usa-como-arma-estrategica.ghtml

G1 – “Terras raras são ponto-chave na geopolítica mundial e Brasil tem potencial na área; entenda” (15 jun 2025)

https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/06/15/terras-raras-sao-ponto-chave-na-geopolitica-mundial-e-brasil-tem-potencial-na-area-entenda.ghtml

G1 Tecnologia – “Conheça os minerais pouco conhecidos que dão poder à China na era digital” (28 jun 2025)

https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2025/06/28/terras-raras-conheca-os-minerais-pouco-conhecidos-que-dao-poder-a-china-na-era-digital.ghtml

Portal da Indústria – “O que são terras raras e como elas podem impulsionar a transição energética no país”

https://noticias.portaldaindustria.com.br/noticias/inovacao-e-tecnologia/o-que-sao-terras-raras-e-como-elas-podem-impulsionar-a-transicao-energetica-no-pais/

Poder360 – “Por que elementos de terras raras são tão importantes”

https://www.poder360.com.br/poder-internacional/por-que-elementos-de-terras-raras-sao-tao-importantes/

InfoMoney – “EUA e China formalizam trégua comercial com foco em terras raras e tecnologia”

https://www.infomoney.com.br/economia/eua-e-china-formalizam-tregua-comercial-com-foco-em-terras-raras-e-tecnologia/

The Washington Post – “Pentagon takes $400 million stake in rare-earth miner” (10 jul 2025)

https://www.washingtonpost.com/business/2025/07/10/pentagon-rare-earths/

El País – “El Pentágono se convierte en el principal accionista de la minera de tierras raras MP Materials” (10 jul 2025)

https://elpais.com/economia/2025-07-10/el-pentagono-se-convierte-en-el-principal-accionista-de-la-minera-de-tierras-raras-mp-materials-sus-acciones-se-disparan-un-50.html

Wall Street Journal – “Pentagon to Take Stake in Rare-Earth Company, Challenging China's Control” (10 jul 2025)

https://www.wsj.com/business/mp-materials-enters-multibillion-dollar-partnership-with-defense-dept-c8f9f806

Reuters via U.S. News & World Report – “MP Materials Seals Mega Rare-Earths Deal With US to Break China's Grip”

https://money.usnews.com/investing/news/articles/2025-07-10/mp-materials-partners-with-department-of-defense-to-boost-us-rare-earth-magnet-supply-shares-soar

Reuters – “MP Materials lands multibillion-dollar Pentagon deal to bolster US rare-earth magnet supply” (10 jul 2025)

https://www.reuters.com/business/mp-materials-partners-with-department-defense-boost-us-rare-earth-magnet-supply-2025-07-10/

Mining.com – “Meteoric Resources takes crown for world’s largest clay‑hosted rare‑earths project” (mar 2025)

https://www.mining.com/meteoric-resources-takes-crown-for-worlds-largest-clay-hosted-rare-earths-project/

Kitco/Reuters – “Australia’s Meteoric to supply Brazil rare earths magnet factory” (jun 2024)

https://www.kitco.com/news/off-the-wire/2024-06-25/australias-meteoric-supply-brazil-rare-earths-magnet-factory

Mining.com – “Brazil joins race to loosen China’s grip on rare earths industry” (mai 2024)

https://www.mining.com/web/brazil-joins-race-to-loosen-chinas-grip-on-rare-earths-industry/

Journal‑Neo – “Prospects for mining rare earth metals in Brazil” (mar 2025)

https://journal-neo.su/2025/03/25/prospects-for-mining-rare-earth-metals-in-brazil-2/

EnergyNews.pro – “Brazil activates 27 rare earth projects to secure its supply chain” (jun 2025)

https://energynews.pro/en/brazil-activates-27-rare-earth-projects-to-secure-its-supply-chain/

RareEarthExchanges – “Meteoric’s Caldeira Rare Earth Project: A High‑Grade, Low‑Cost Game Changer” (abr 2025)

https://rareearthexchanges.com/news/caldeira-rare-earth-project/

Reuters/Kitco – “MP Materials lands multibillion‑dollar Pentagon deal…” (Mining Weekly, jul 2025)

https://www.miningweekly.com/article/mp-materials-lands-multibillion-dollar-pentagon-deal-to-bolster-us-rare-earth-magnet-supply-2025-07-10

Washington Technology – “Pentagon to become rare earth mining company's largest stockholder” (jul 2025)

https://www.washingtontechnology.com/companies/2025/07/pentagon-become-rare-earth-mining-companys-largest-stockholder/406644/

Agência Internacional de Energia (IEA)

https://www.iea.org/reports/the-role-of-critical-minerals-in-clean-energy-transitions

Adamas Intelligence: https://www.adamasintel.com/

Grand View Research – Rare Earth Elements Market Report

https://www.grandviewresearch.com/industry-analysis/rare-earth-elements-market

Allied Market Research – AI Wearables

https://www.alliedmarketresearch.com/artificial-intelligence-ai-wearable-market-A194390

Statista – Rare Earth Demand Forecast

https://www.statista.com/statistics/1277333/neodymium-demand-electric-cars-worldwide/

Serviço Geológico do Brasil (CPRM): https://www.cprm.gov.br

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA): https://www.ipea.gov.br

CETEM – Centro de Tecnologia Mineral: https://www.cetem.gov.br

UFMG – Instituto de Geociências: https://www.igc.ufmg.br

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