Urgência no mercado de carbono brasileiro
Por Itaú BBA
Maria Belen Losada, head de Produtos de Carbono do Itaú Unibanco, fala sobre a regulação do SBCE, a evolução do mercado de carbono global, a rede de negociação Carbonplace e as expectativas com a COP30.
P - Como as empresas reagiram à sanção da lei do mercado regulado de carbono do Brasil, em dezembro?
Belen - A sanção da lei e a aproximação da COP30, em Belém, deram confiança para o mercado local, mas também trouxe muitas dúvidas em relação a sua regulação e implementação nos próximos anos. Temos pela frente um desafio relevante para a regulamentação da lei e envolvimento de todos os atores impactados.
P - O cronograma definido pelo Ministério da Fazenda não é ambicioso demais?
Belen - É ambicioso e precisa ser, mesmo. Não temos tempo a perder. Passamos 10 anos discutindo o mercado e a crise climática é iminente. Agora, temos uma lei que ficou bem construída. Foi um trabalho extenso do Ministério da Fazenda e do Congresso. O sistema que o Brasil escolheu, de cap and trade, traz mais custo-efetividade para precificar as emissões de gases do efeito estufa, mas é o mais complexo para implementar.
P - Quanto de trabalho temos pela frente, para o mercado entrar em funcionamento?
Belen - Eles têm dois anos para fazer a fundação da regulamentação, e com uma eleição presidencial no meio. Depois vamos ter outras etapas, também importantes. Vejo três grandes frentes de trabalho na fase atual de regulamentação. Uma é a criação do próprio SBCE (Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões). A Fase 1 do cronograma inclui a criação do órgão gestor e o início dos trabalhos para detalhar metodologias que vão ser aceitas, monitoramento de emissões, relato de emissões, registro central dos créditos, como os leilões vão ser introduzidos. A governança do SBCE é um grande ponto aí, se vamos ter uma autarquia (com maior autonomia em relação ao governo do momento), que é a preferência de todo mundo, mas pede um orçamento maior e certa vontade política para fazer isso; ou se ele vai ser dependente de um ou vários ministérios. É um ponto crítico que o governo vai começar a encaminhar este ano. A equipe no Ministério da Fazenda é técnica, robusta, mas é pequena e precisa de ajuda. É bom que tem muita gente apoiando. Eles (do governo) contam com a CNI (Confederação Nacional da Indústria), a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) e principalmente com apoio do PMI, Programa para Implementação de Mercado, do Banco Mundial, entre outros
Outra frente de trabalho é na CVM (Comissão de Valores Mobiliários, órgão regulador do mercado de capitais no Brasil), com apoio da Anbima, porque, pela lei, o carbono vira um valor mobiliário, mas muito diferente dos outros.
A terceira frente é o artigo 6 do Acordo de Paris (que trata da cooperação entre países para que cada um persiga suas metas de mitigação, as NDCs – Contribuições Nacionalmente Determinadas). Como vai ser a interoperabilidade dos mercados de carbono de diferentes países? Vamos poder contar com os ITMOs (Resultados de Mitigação Transferidos Internacionalmente)? São três discussões, cada uma com as suas complexidades, totalmente diferentes, mas que conversam entre si.
P - Essa terceira frente de trabalho é uma negociação internacional. Que tipo de expectativa podemos ter?
Belen - O desafio não é trivial, mas o Brasil tem influência na construção desse mercado. Somos os anfitriões da COP30 e o embaixador André Corrêa do Lago (presidente da COP30) vai colocar isso no topo da agenda. Ele tem o desafio de aumentar o financiamento climático de US$ 300 bilhões por ano para US$ 1,3 trilhão. Para isso, precisamos definir o que é financiamento climático. Nessa discussão, o mercado de carbono precisa ser um protagonista como instrumento de financiamento climático. Todos sabemos que precisamos desse mercado funcionando para chegar à meta de financiamento e ao net zero e os mercados de carbono, tanto voluntário quanto regulado serão importantes nesta discussão.
P - Os mercados de carbono ainda são jovens e o desafio não é só no Brasil. Como tem sido a evolução global desse segmento?
Belen - Os mercados voluntários sofreram golpes na credibilidade nos últimos anos, com casos sérios. Então, aconteceu uma reação internacional forte para melhorar os padrões e o mercado brasileiro precisa se embasar neles – o que é um crédito de carbono, o que é integridade. O mercado, do ponto de vista de integridade, ficou muito mais robusto. Nessa mudança, companhias passaram a adquirir créditos de carbono de projetos com maior credibilidade, mas que ainda não estão prontos ou que ainda exigem muito investimento – créditos a ser entregues no futuro, o que chamamos de contratos offtake. A lógica é a demanda viabilizar o projeto. Houve projetos que estavam na linha de produção, mas não conseguiram emitir os créditos, porque precisam ser realinhados com a nova metodologia. Ou seja, o mercado ganhou credibilidade, mas saiu do spot (à vista, de créditos disponíveis imediatamente) para o forward (futuro, de créditos que ainda serão desenvolvidos).
Evoluímos também no CORSIA (programa da Organização da Aviação Civil Internacional para a redução e compensação de emissões de carbono nos voos). Temos de buscar um equilíbrio entre uso de créditos de carbono e de SAF (combustível sustentável de aviação). O volume de SAF necessário ainda não está disponível e sobretudo tem um custo muito maior que o querosene de aviação. Então, nesse setor vai haver uma demanda significativa por créditos de carbono.
P - O mercado se concentrar na negociação futura de créditos não cria um problema de empurrar os projetos para o longo prazo?
Belen - Não, estamos falando de entregas ainda próximas, a partir de 2027, e que aceleram a partir de 2030. A maioria dos compromissos é para 2030.
P - Nessa construção de credibilidade, a rede de negociação Carbonplace fica com responsabilidade ainda maior, não?
Belen - A Carbonplace foi criada em uma conversa de CEOs no Fórum Econômico Mundial, em Davos. Eles decidiram cooperar. Foram nove bancos fundadores e o Itaú Unibanco é um deles. Hoje, outras 37 instituições usam a rede. A lógica da rede passa pela conexão internacional, porque a maioria dos compradores está na Europa, nos Estados Unidos, e a maioria dos vendedores está no Brasil, na América Latina como um todo, na África, na Indonésia. Uma instituição como o Itaú Unibanco, com seus clientes da América Latina, onde está a capacidade de geração de créditos, pela rede se conecta a outra instituição, como o banco suíço UBS, com seus clientes europeus, compradores de créditos.
Para os desenvolvedores dos créditos, a rede funciona como uma vitrine. O desenvolvedor aparece junto com o nome do Itaú e o comprador já fica informado que o crédito passou pela diligência do banco.
A rede oferece também rastreabilidade completa – quando o crédito foi comprado, aposentado, a que preço. O reporte do comprador fica muito mais simples. Além disso, é um mercado difícil de navegar, com muita assimetria de informação. Antes, a empresa interessada em comprar precisava ter uma conta separada em cada entidade certificadora dos créditos – uma conta na Verra, outra na Puro.Earth, outra na Gold Standard ou pedir ao desenvolvedor aposentar no seu nome. A Carbonplace oferece, com uma conta única, chamada de wallet, acesso às maiores registradoras de créditos do mundo (mais de 10) e isso facilita a compra e custódia dos créditos. Também oferece consolidação de informação e transparência de preços, com pesquisa de projetos, ratings, notícias. Como o mercado se voltou para créditos futuros, implementamos uma ferramenta para ajudar nessa pesquisa também. O cliente pode buscar projetos com as características que quiser. Além disso, o comprador sabe para quem está pagando, com liquidação financeira segura, regulada, transparente, toda feita pelos bancos. É uma negociação com muito mais confiabilidade.