É hora de sair da renda variável?

Na renda variável, seletividade e paciência serão o nome do jogo nos próximos trimestres do ano. Confira por que nesta análise de Luiz Ribeiro, gestor da Família Asgard na Itaú Asset.

Por Luiz Ribeiro

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O mercado brasileiro apresenta um valuation atrativo, mas com riscos idiossincráticos relevantes. | Fonte: Shutterstock

Vamos começar com uma recapitulação dos últimos anos no mercado de renda variável. Os últimos 12 anos foram anos extraordinários para o mercado global de ações e fica difícil imaginar a repetição de retornos como os que vimos nesse período por mais alguns anos. Desde o fundo do poço que alcançamos após a Grande Crise Financeira (março de 2009), o S&P 500 (mercado americano) subiu 565% ou incríveis 17% ao ano.

Esse foi um período marcado, de maneira geral, por desinflação causada pela queda nos preços de energia e commodities em geral além de aumento da produtividade com grandes investimentos em tecnologia. A baixa inflação permitiu que convivêssemos com taxas de juros bastante baixas e, muitas vezes, até negativas em vários mercados favorecendo ativos de risco de renda variável e renda fixa com prazos longos.

Com o surgimento de uma pandemia, em 2020, os mercados sofreram uma correção forte, mas que foi revertida rapidamente por uma inédita ação conjunta de governos e Banco Centrais que despejaram uma quantidade enorme de recursos na economia. Isso levou a novas altas nos mercados de ações que ainda se encontram perto das máximas históricas hoje. Enquanto isso, no mesmo período, o MSCI Emerging Markets (uma proxy para o retorno médio de mercados emergentes) subiu 152% no período ficando bem atrás dos retornos do mercado americano e outros mercados desenvolvidos. De maneira simples, isso se explica pela correção no mercado de commodities e a pouca exposição às empresas de tecnologia nos índices de países emergentes.

Assim chegamos ao momento atual do mercado onde após anos de inflação baixa, voltamos a conviver com a ameaça de aumentos gerais de preço em várias economias. Essas pressões foram exacerbadas com a invasão da Ucrânia pela Rússia e consequente diminuição na oferta de várias commodities. E a pressão inflacionária é, na nossa opinião, o maior risco para a renda variável global.

O que esperar daqui pra frente?

Tendo dito isso, as perspectivas para 2022 não são ruins. De uma maneira geral as taxas de juros devem se manter em patamares ainda historicamente baixos e a economia global crescerá em torno de 3,5% esse ano, um número ainda bom.

Mas, certamente, o ambiente fica mais desafiador e os retornos médios que vimos nos últimos anos em mercados desenvolvidos principalmente, serão difíceis de serem alcançados. Em outras palavras, a seletividade será ainda mais importante na busca por retornos. Aumenta a importância da seleção de ações e da escolha de gestores que saibam navegar em um cenário mais desafiador.

O mercado brasileiro de ações teve uma performance relativa muito ruim quando comparado a mercados desenvolvidos nos últimos 12 anos com uma alta de 66% (em dólares) contra 565% do S&P500. A grande participação de empresas da chamada "velha economia" nos índices de ações brasileiros além de problemas próprios do Brasil como preocupação com a situação fiscal e gestão nem sempre ortodoxa da economia nesse período, podem ser mencionados como a razão principal para a performance ruim.

Como consequência, o mercado brasileiro hoje parece barato em relação a outros mercados e à sua própria média histórica. Negociando hoje a uma relação P/L (preço/lucro) em torno de 8x contra um média histórica acima de 11x e 20x para o S&P.

Esse fato em conjunto com uma volta do interesse por empresas da velha economia pode favorecer o Brasil em termos relativos. Mas, como sempre, existem riscos. Estamos próximos de uma eleição presidencial e as incertezas com relação a condução da política econômica podem aumentar. Além disso, apesar do Banco Central do Brasil estar bem à frente de outros Banco Centrais no processo de aumento de taxa de juros, ainda existe a ameaça de disparada de preços, o que exigiria novos aumentos e poderia comprometer ainda mais o crescimento econômico esperado que já e bastante baixo.

Seletividade e paciência

Em resumo, achamos que o ambiente para renda variável global se apresenta mais desafiador dada a retirada de estímulos fiscais e monetários além da performance da última década que levou a níveis de valuation que não nos parecem extremos, mas exigem maior cuidado.

O mercado brasileiro, por outro lado, apresenta um valuation bem mais atrativo, mas com riscos idiossincráticos relevantes. Isso leva à necessidade de uma maior seletividade tanto aqui como lá fora.

Tendo dito isso, existem sim oportunidades na renda variável para o investidor que souber navegar esse cenário mais desafiador. Além disso, o investidor de longo prazo tem que pensar em uma alocação de renda variável que seja adequada ao seu perfil de risco e escolher quais os veículos mais adequados para construir essa alocação com uma visão de médio e longo prazo.

Tentar antecipar movimentos de curto prazo nem sempre é a melhor maneira de gerir uma carteira. Seletividade e paciência serão, na nossa opinião, o nome do jogo nesses próximos trimestres. A maré não vai mais erguer todos os barcos.