Os fundamentos, o mercado e a visão tática

O que as duas últimas semanas e os números de inflação de hoje podem sugerir taticamente?

Por Giovanni Vescovi

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Produção: Shutterstock

Muito bem, acabamos de ver os números de inflação e emprego da economia norte-americana com os mercados, naturalmente, reagindo com a esperada volatilidade inicial de sempre. Mas antes de falar sobre o dia de hoje, vamos falar sobre o que rolou nessas duas semanas desde meu último artigo.

Quem acompanha esta coluna deve se lembrar que há duas semanas o índice de ações norte-americano, o S&P 500, vinha de um rali embalado pelo início da temporada de divulgação de resultados das empresas (“earnings season”) e tinha batido o nível de 3900 pontos, animado com a narrativa do “Fed pivot”, ou seja, de uma mudança de postura do BC americano.

Na ocasião, deixei claro meu ceticismo quanto a essa ilusão, e nossos leitores millenials devem se lembrar que peguei o bordão do vampiro Aro da série Crepúsculo: “there is no Fed pivot in here...”. De tabela, aproveitei para expressar minha visão de que aquele rali já tinha dado o que tinha para dar.

De fato, o presidente do Fed, Jerome Powell, deixou bem claro que, se o ritmo de altas da taxa juros desacelerar (em dezembro), não significa nem de perto a proximidade de uma pausa no ciclo. E para reforçar a necessidade de seguir vigilante no combate à inflação, disse com todas as letras que a taxa de juros terminal deve ser acima do que eles (e o mercado) esperavam.

Escutando a voz do mercado

Do ponto de vista dos fundamentos, essa nossa análise vem se mostrando acertada. E do ponto de vista da movimentação de preços de mercado, também. Afinal de contas, nessas duas semanas o mercado caiu bem, esboçou uma reação, mas ainda não superou aquela barreira dos 3900 pontos.

Mas se tem uma coisa que todo investidor aprende com o tempo (e muitas vezes com o bolso!) é a respeitar o mercado. E isso significa que devemos sempre tentar fazer uma leitura isenta, independentemente da nossa opinião.

Algumas coisas me chamaram muito a atenção nesse período. A começar pela reação do mercado aos resultados da Apple, que, convenhamos, não foram bons. Foram resilientes, sim, mas só. Sob nenhuma hipótese normal ou razoável era a de que houvesse uma alta de 8% no dia.

Depois, no dia seguinte ao balde de água fria que foi o discurso do Powell, o mercado logo assimilou o baque e interrompeu as quedas. Por fim, na sexta-feira passada a divulgação do NFP (non-farm payroll) com números acima do esperado refletindo um mercado de trabalho superaquecido e o mercado reagiu bem... tudo isso está dizendo uma coisa: o mercado quer comprar. Ele está nos dizendo isso. E nós precisamos, no mínimo, escutar.

Buscando alguma lógica

Que o cenário à frente deveria piorar, não é novidade. Afinal, para domar a inflação o Banco Central americano vai procurar desaquecer a economia. Alguns indicadores antecedentes, como os de confiança do consumidor, já apontam para essa direção. Mas entre dever piorar, e realmente piorar, fica a incerteza. E nesse trajeto o mercado vai calibrando tanto a confirmação da expectativa quanto a magnitude da piora.

A verdade é que a principal bússola do investidor neste momento é a taxa de juros norte-americana. Recentemente, vem ganhando força uma narrativa otimista de que o BC americano poderia reduzir o ritmo de aumento das taxas de juros.

Por mais que a gente saiba que em todo bear market sempre tem alguns ralis que não chegam a alterar a tendência de queda. Ainda assim, esses movimentos recentes me pareceram muito contraintuitivos. Procurei explicações com diversos colegas de mercado e, apesar de haver uma enorme gama de opiniões, algumas teses mostraram uma lógica interessante.

A primeira é que os investidores não institucionais (pessoas físicas) americanos continuam com uma situação confortável considerando todo esse período atípico desde a pandemia. Seus investimentos, de fato, caíram bastante, mas em termos absolutos não chegam a apresentar perdas (o S&P500 negociava a cerca de 3400 pontos antes da pandemia).

Além disso, esse investidor não parece estar precisando de dinheiro. Ainda tem bastante caixa, muita poupança acumulada dos programas de auxílio do governo (lembra dos cheques do Trump?) e, como vimos, continuam empregados. Ou seja, segue sendo um comprador marginal, no mínimo em potencial.

Outro ponto interessante diz respeito aos investidores institucionais, sistemáticos e hedge funds. Aqueles que conseguiram uma boa performance neste ano são também os que acertaram o movimento e apostaram na queda dos mercados.

A última coisa que esse investidor quer é comprometer um bom resultado no caso de um rali de bear market. De modo que esse investidor vai comprar alguma proteção, neste caso contra uma alta do mercado.

Juntando os pontos

Os fundamentos continuam os mesmos: do lado macroeconômico, o Fed vai continuar lutando contra a inflação e as taxas de juros vão seguir subindo; do lado micro, os impactos estão começando a se refletir nos resultados das empresas, no guidance, e nas revisões das expectativas para baixo.

Mas o posicionamento técnico dos investidores está leve. Os drivers mais importantes para a direção do S&P500 no curto prazo têm sido os números de inflação e o que o Fed diz e faz. Teremos agora uma pequena entressafra desses eventos.

Ontem mesmo, minha opinião era de que, salvo um número muito ruim de inflação, após a reação inicial do mercado, poderíamos ter uma oportunidade tática. Hoje os números vieram na direção que os investidores queriam: inflação desacelerando significa uma chance maior de os juros americanos não subirem tanto.

A conclusão é que, taticamente, podemos nos animar e esperar um novo rali de curto prazo para o S&P 500. Talvez a euforia venha num ritmo mais acelerado e a gente consiga ver uma alta em direção aos 4100 pontos até nossa próxima coluna.

Este texto foi orginalmente publicado no aplicativo do íon Itaú, na coluna Investida de Mestre. Baixe o app do Íon para ler este e outros textos sobre economia, investimentos e mercado financeiro.