Um dia de fúria

Às vezes, o mercado é assim: sobe de escada e desce de elevador; entenda como a inflação nos EUA preocupa (e muito) os investidores.

Por Giovanni Vescovi

5 minutos de leitura
Imagem ilustrativa do artigo Um dia de fúria
Fonte: Shutterstock

Na terça-feira passada, 13 de setembro, os mercados tiveram um dia daqueles... o S&P 500, principal índice de ações do mercado norte-americano, teve a pior performance diária desde junho de 2020, acumulando uma queda monstruosa de -4,3%.

A causa dessa derrocada foi a divulgação dos números de inflação americana (CPI – consumer price index), que vieram pior do que esperado. Mas vale a pena contextualizar. Os analistas esperavam uma queda da taxa de inflação mensal de -0,1% e para o núcleo da inflação a expectativa era de uma alta de 0,3% no mês.

Às 9:30 da manhã as telas dos computadores divulgavam os números tão esperados: o headline CPI veio em +0,1% no mês, e o núcleo (core CPI) mostrou uma alta de 0,6% no mês. Em menos de cinco minutos, os mercados futuros já caíam mais de 100 pontos.

Entendendo o contexto

Mas por que exatamente o mercado reagiu dessa forma? Uma taxa de inflação de 0,1% ao mês está longe de ser o fim do mundo, sem falar que a taxa anual caiu de 8,5% para 8,3%. Vamos tentar entender as narrativas.

O fato é que, desde o início do ano, o S&P 500 entrou em tendência de baixa. O motivo é bem conhecido: com a economia americana superaquecida, a inflação começou a se tornar um problema e o banco central americano teve que iniciar uma política monetária contracionista, dando início ao ciclo de alta de juros. Falta de chips, problemas logísticos impactando bens e commodities, uma guerra, crise energética, enfim, já sabemos o enredo: inflação, e das grandes.

De um lado temos toda uma narrativa pessimista centrada na tese de que, com um mercado de trabalho tão apertado, será necessário um aperto muito forte das condições financeiras, com redução da liquidez do sistema e juros mais altos, que deverá culminar com elevação do desemprego e numa recessão (ao menos moderada) para reduzir o consumo. E isso deverá impactar os lucros das empresas e os preços das ações.

Mas do outro lado, há (ou havia) uma narrativa otimista, centrada na tese de que a economia já estaria passando pelo pico da inflação, e que o mercado estaria com um posicionamento técnico muito leve. Não é uma narrativa ruim, principalmente pelo fato de que, realmente, o pico da inflação é um excelente indicador para o piso dos preços dos ativos.

O time otimista, aproveitando um posicionamento muito leve, começou a apostar num número bom. Ora, no mês passado a inflação já havia dado um certo alívio e, agora, com essa queda forte do preço do petróleo e melhora nas cadeias logísticas, havia grande expectativa de mais um número mostrando a desaceleração da inflação. Em quatro dias, o S&P500 subiu dos 3900 pontos para os 4100.

Caiu a Ficha

Voltemos aos números: a inflação anual caiu de 9,1% em junho para 8,5% em julho e agora para 8,3%. Por que o mercado não gostou do número?

O problema está no núcleo da inflação, que veio muito acima do esperado. Entre os principais componentes desse índice de preços está o custo com moradia: aluguéis residenciais não param de subir nas terras do Tio Sam. Preços de serviços também estão mostrando aceleração. E, rapidamente, caiu a ficha: enquanto o mercado de trabalho continuar forte, com crescimento da massa salarial, vai ser difícil domar a inflação. Caiu a ficha, e caiu o mercado, devolvendo os 200 pontos acumulados nos dias anteriores. Às vezes, o mercado é assim: sobe de escada e desce de elevador

E agora?

Com a narrativa de pico da inflação caindo por terra, pelo menos por ora, sobram os fundamentos que trazem perspectivas mais negativas. Conforme eu comentei na coluna de 18 de agosto, sigo cautelosamente pessimista.

O Fed está num mato sem cachorro e, diferentemente do Natal de 2018 quando voltou atrás e interrompeu o ciclo de alta, dessa vez ele não tem como fazer isso tão cedo. Além disso, a partir desse mês de setembro, o ritmo de redução do balanço do Fed (QT = quantitative tightening) deve dobrar, o que deve manter o dólar forte.

O que temos diante de nós é um cenário desafiador: dólar se fortalecendo mais, taxas de juros pra cima, China em crise, Europa à beira de um inverno com problemas de abastecimento de gás, uma guerra na qual pode acontecer qualquer coisa. E isso sem falar das tensões geopolíticas, eleições etc.

A corda em que todos estão se segurando é no lucro das empresas. Bem ou mal, a economia norte-americana vem mostrando resiliência e o lucro por ação agregado do índice tem se defendido. A temporada de resultados começa no mês que vem, mas as próprias empresas já começaram a baixar as expectativas passando um guidance mais conservador. Se os resultados vierem abaixo do esperado, o mercado deve reagir muito mal. Vamos ver.

Este texto foi orginalmente publicado no aplicativo do íon Itaú, na coluna Investida de Mestre. Baixe o app do Íon para ler este e outros textos sobre economia, investimentos e mercado financeiro.